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Leitores: As necessidades paliativas da população

Ana Maria Teixeira Gordino - 04/08/2022 - 10:18

Apresento esta carta na qualidade de familiar de doentes com necessidades paliativas, enfermeira de profissão, presidente de uma Instituição Particular de Solidariedade Social e como pós-graduada em Cuidados Paliativos.

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Apresento esta carta na qualidade de familiar de doentes com necessidades paliativas, enfermeira de profissão, presidente de uma Instituição Particular de Solidariedade Social e como pós-graduada em Cuidados Paliativos. 
Venho por este meio demonstrar o meu desagrado, perplexidade e ao mesmo tempo, estranheza e passividade, perante a não resposta de uma equipa comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos sentida pelos doentes com necessidades paliativas que desejam permanecer em casa, na cidade e concelho de Castelo Branco.
Falo também do apoio a doentes crónicos, integrados em respostas sociais de Centros de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário, manifestando desta forma a incongruência que existe desde há algum tempo entre o discurso e a realidade vivida no dia-a-dia pelos utentes e pelas famílias face à resposta inexistente em Cuidados Paliativos.
Não coloco em causa o trabalho desenvolvido e bem, pelas equipas da Unidade de Dor Crónica e Medicina Paliativa (UDCMP), nem pela Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos (EIHSCP) que respondem na sua área de intervenção e dentro das suas possibilidades.
Lamento a ausência e concretização da nomeação de uma Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP) devidamente organizada e com os recursos afetos para o seu desenvolvimento.
Não me parece que seja por falta de profissionais, uma vez que existem profissionais com formação especializada em cuidados paliativos em todas as áreas profissionais. Temos a sorte de existir uma Escola Superior de Saúde no Instituto Politécnico de Castelo Branco, onde todos os anos são formados profissionais com formação avançada em Cuidados Paliativos. 
Sem menosprezar e a importância da criação da Equipa de Hospitalização Domiciliária, mas como cidadã e familiar questiono se: 
- Não se deu importância à Equipa Domiciliária de Cuidados Paliativos? 
- Os doentes oncológicos podem morrer sem os merecidos cuidados e sem acompanhamento necessário ao doente e suas famílias? 
- Será que não sendo Centro de Responsabilidade Integrada (CRI) não teve prioridade?
Unidade de Cuidados Paliativos? Deve ser um sonho! Neste momento, existem 2 ou 3 camas num serviço, mais umas camas de conforto noutro…. Pergunto se é suficiente, tendo em contas as necessidades de uma população envelhecida, portadores de doença crónica, para além dos doentes oncológicos com necessidade de cuidados paliativos.
Quem passa pela experiência de ter um familiar com necessidades de cuidados paliativos em casa, sabe que o seu cuidar é mais adequado e seguro se tiver o suporte para tal. Este suporte tem de existir nas 24h do dia e não em horário de expediente. 
Pensando nas resposta existentes ao nível da ULS – Castelo Branco constato a não existência das mesmas e lembro-me que foi dito: “permanecemos reféns de políticas públicas que tardam em reconhecer o valor social dos Cuidados Paliativos” e que “infelizmente, Portugal encontra-se muito longe das metas exigidas a nível internacional, independentemente das instituições que assumamos como referência, sejam elas a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Associação Europeia de Cuidados Paliativos (EAPC) ou até a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Com taxas de acessibilidade persistentemente abaixo dos 30%, o principal desafio mantém-se na necessidade de investimento dedicado à criação de novos serviços, sobretudo na comunidade, devidamente estabelecidos com o que de melhor existe em qualquer sistema de saúde, os recursos humanos. Numa área onde a humanização de cuidados e a relação humana são fundamentais em garantir cuidados que marquem positivamente o decurso da doença, minimizando o sofrimento, permanecemos reféns de políticas públicas que tardam em reconhecer o valor social dos Cuidados Paliativos” (Duarte S.S., 2020).
Mas os desafios não terminam por aqui. Mesmo como um forte investimento por parte do Estado, o caminho não estará concluído. Precisamos entender que é à sociedade civil que compete assumir-se como elemento indispensável ao cuidado.  Todos podem contribuir. Então será que temos que nos mobilizar para exigir os cuidados a que temos direito?
Vários trabalhos e várias vozes se levantam falando deste problema e da sua resolução urgente, apesar de em Portugal os Cuidado Paliativos terem sido introduzidos há cerca de 30 anos e lembro que neste distrito, nomeadamente no concelho do Fundão, foi desenvolvido um trabalho extremamente importante que deu respostas aos doentes oncológicos em internamento e não só, e que hoje em 2022 não possui uma Unidade de Internamento... os doentes com necessidades de Cuidados Paliativos institucionalizados, têm visitas de família de referência 2 vezes por semana durante 30 minutos???? Podem explicar-me que cuidados estão a ser prestados? O que significa isto? Enquanto sociedade civil somos muito “apáticos” e não conseguimos defender o que nos faz falta e os nossos direitos. Também me incluo neste grupo, no entanto, hoje reconheço que enquanto cidadã devo lutar por uma resposta adequada e qualificada.
Na minha opinião a comunicação social deve e devia ser mobilizada e ser assertiva, encontra-me disponível para falar, alertar e defender esta causa.
No último livro de Isabel Galriça Neto, o Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, escreve no prefácio faz algumas considerações: “começa-se por tentar entender o que são os Cuidados Paliativos. E acaba-se a tentar imaginar a vida da autora. E de muitas outras e muitos outros. Entre profissionais de saúde, pacientes e familiares. O que eu posso dizer é que vale a pena, para quem puder.”
A autora afirma que “os heróis maiores deste pequeno trabalho são os doentes, indubitavelmente os mestres da superação e resiliência e as suas famílias. Para eles vai a minha maior palavra de reconhecimento e um Obrigada sem limites” Isabel Galriça Neto no seu livro “Cuidados Paliativos – conheça-os melhor” (2020).
Lembrando a fundadora do movimento moderno dos Cuidados Paliativos:
Tu importas, porque tu és tu,
e vais ser importante até ao fim da tua vida.
Faremos tudo o que pudermos
não somente para te ajudar a morrer em paz,
mas também para que vivas até à morte.
(Cicely Saunders)
 
Ana Maria Teixeira Gordino

 

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