Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Leitores: Cebolais de Cima. E da Barôa aos irmãos Carmona

António Luís Caramona - 09/02/2023 - 9:39

Ou a história da primeira fábrica de Cebolais - parte II

Partilhar:

Joaquim dos Santos Sal, um abastado comerciante em Castelo Branco com estabelecimento no Largo do Comércio nrs.1-11, hoje a praça do Rei D. José, que durante anos foi uma loja de referência na cidade e que, como benemérito em 1894 manda construir uma enfermaria no lado norte do hospital no valor de três contos e novecentos mil réis, era ainda proprietário de vários prédios nas ruas da Figueira e Amoreirinha, e ainda do monte Forninho do Bispo, “propriedades postas à venda livres de quaisquer encargos” conforme anúncio com o detalhe dos números de polícia publicado na imprensa local após a sua morte ocorrida a 27 de Abril de 1919. Foi testamentário Augusto dos Santos Sal, morador no nr.36 da rua da Bandeirinha no Porto.
A compra da Fábrica de Fiação dos Cebollaes de Cima, Sociedade Anónima, pelo valor de um conto e setecentos e cinco mil réis compreendia a fábrica, os seus quintais, dois depósitos de água e tudo o mais que lhe pertencia. O comprador, que se iniciara nas lides do comércio como caixeiro em Lisboa e com o seu pai taberneiro em Castelo Branco, por ser galhofeiro intitulava-se de «Barão do Sal» e foi durante esse período que a fábrica ganhou o apelido de «A Barôa».  
Tendo explorado a actividade industrial por catorze anos, a 11.5.1917 vende a fábrica por 30.700 escudos, tendo sido avaliadas as casas em 700$00 e os maquinismos em 30.000$00, valores que seriam pagos em três prestações iguais sendo a primeira a pronto, a segunda a 1.4.1918 e a terceira liquidada no mesmo dia e mês de 1919. Esta venda foi feita à firma Romãozinho, Ferreira, Lda, uma sociedade constituída um pouco antes, a 30.4.1917, com o capital social de quinze mil escudos distribuídos em partes iguais por João Lopes Romãozinho, Manuel Ferreira de Matos, José Lopes Romãozinho, José Ferreira de Matos e Domingos Lopes Romãozinho. 
Pouco tempo depois, em 2.8.1920, dar-se-ia a sua dissolução, “… pela presente escritura, e de mútuo acordo dissolvem e dão por dissolvida desde hoje a referida sociedade, e a declaram em liquidação … já que a sociedade referida não tem passivo algum, a liquidação será feita por eles como liquidatários e terminada no prazo de noventa dias a contar desta data…”.
Esta sociedade irá renascer uns anos mais tarde, em 7.9.1931, com o mesmo capital e objecto social e também a mesma designação, mas com ligeiras alterações nos sócios. Entra Maria Bárbara de Matos, em substituição do marido João Lopes Romãozinho que falecera, com uma parcela de 2.400$00 do capital, entra o filho do seu do segundo casamento, Domingos de Matos Romãozinho que ainda estava solteiro com 600$00, e mantinham-se os outros quatro sócios com a participação de 3.000$00 cada um. 
A 18.6.1934, Domingos de Matos Romãozinho que sempre ficou conhecido como o senhor Dominguinhos para se distinguir do meio irmão mais velho, Domingos Lopes Romãozinho, cederia a sua quota ao irmão José Nunes de Matos Romãozinho pelo mesmo valor da sua participação.
Neste período surge a electricidade distribuída pela HEAA- Hidro Eléctrica do Alto Alentejo o que leva ao abandono dos motores a gaz pobre até então fundamentais para a produção da energia para o movimento das máquinas e impulsiona, em definitivo, o desenvolvimento da indústria de lanifícios em Cebolais, designadamente a tecelagem com a introdução dos primeiros teares mecânicos, e a chegada de tecelões e técnicos oriundos da zona da Covilhã.
Em 5.4.1937, José Lopes Romãozinho e Domingos Lopes Romãozinho fundam a sociedade Romãozinho & Romãozinho, Lda. entretanto dissolvida a 24.10.1938 e, dois anos depois, entre eles e dois irmãos, José Gonçalves Duarte Belo e Domingos Duarte Belo e ainda Emílio Mendes Ramos, é fundada a Empresa de Fiação e Cardação da Corga, Lda. com o mesmo objectivo de cardar e fiar as lãs. A escritura desta nova sociedade é celebrada a 18.4.1939 com um capital social de 24.000$00, cabendo a Domingos Lopes Romãozinho 8.000$00 e aos restantes 4.000$00 a cada um.
No dia seguinte, 19 de Abril, com um capital de 15.000$00 é fundada a sociedade Matos & Romãozinho Lda. entre Manuel Ferreira de Matos (6.000$00) e os seus genros José Ferreira de Matos (6.000$00) e José Nunes de Matos Romãozinho (3.000$00), dedicada também à mesma actividade.
Ambas as empresas se encontravam sediadas nas antigas instalações da Fábrica de Fiação dos Cebollaes de Cima e separadas entre si por um tabique de madeira.
Passam-se uma dúzia de anos até que, pelas 4 horas da manhã do dia 30 de Julho de 1951, um incêndio destruiria ambas as unidades industriais que ficaram reduzidas a escombros tendo sido transferidas, pouco depois, para a Tapada da Maceta onde ainda se encontram os edifícios. 
A Corga deu actualmente lugar ao Mutex e, praticamente em frente, a Matos & Romãozinho também adquirida pela Câmara Municipal para aí se instalar um pavilhão multiusos, decisão esta recentemente desprezada, encontra-se sem futuro definido.
Ambas as empresas, até ao seu encerramento na mudança do século haveriam de sofrer várias alterações quer no capital social, quer no índice dos seus sócios uns motivados por razões de heranças ou a venda de participações ou, ainda, pela entrada de novos sócios como foram Manuel Lopes Louro, João Pires d’ Oliveira, José Duarte Pinto e José Mendes Salavessa, quando o capital social passou de quinze mil para setenta mil escudos na Matos & Romãozinho, Lda.
Pouco tempo depois do incêndio que destruiu as duas unidades industriais, ou sejam 58 anos depois da fundação da primeira fábrica mecanizada em Cebolais de Cima, dois irmãos, Basílio Oliveira Caramona e Manuel Carmona Salavessa, comprariam os destroços da fábrica para aí ter início o que viria a ser a M. Carmona & Irmãos, Lda. 
Fundada por escritura pública de 12.9.1951, com o capital de sessenta mil escudos distribuídos em partes iguais pelos seis irmãos, Joaquim, Basílio, Manuel, João, José e Abílio, valores estes subscritos com dinheiro pedido emprestado de uns ou letras de favor avalisadas pelos sogros no Banco de Portugal por outros.
A sua actividade inicia-se a 12 de Novembro desse ano, no único edifício que sobrou do incêndio com uma esfarrapeira Trutcheller a esfarrapar retalhos de malhas de lã para os transformar em mungos, os mungos em fios e os fios tecidos em mantas, mantas para “estender debaixo das albardas” como referia a primeira factura passada à Intendência, e depois essas mantas entregues no Casão Militar lá para as bandas do Campo de Santa Clara. 
Até me parece mesmo que foi ontem que tudo começou naquele dia e ano exactos em que eu nasci. 

António Luís Caramona
paudegiz@gmail.com
(escrito de acordo com a antiga ortografia)

 

COMENTÁRIOS