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Castelo Branco: Cidade institui um dia dedicado aos sinos

Lídia Barata - 20/10/2022 - 8:00

A cidade vai dedicar um dia a um património que nem sempre é valorizado, mas que terá agora um lugar cativo do calendário de eventos.

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Evento resulta da parceria entre a Junta, a Câmara e a Diocese

Os sinos da Sé Cocatedral de Castelo Branco vão repicar dia 5 de novembro, simultaneamente com os das igrejas de São José Operário, Espírito Santo, Santo António, Senhora da Piedade, Graça, Valongo, Lentiscais e Taberna Seca, aos quais se junta o da Torre do Relógio. Sob a coordenação de Tom Hamilton, e a colaboração de dois sineiros, um de São Vicente da Beira e um de Malpica do Tejo, o repique da manhã (às 8H00) e o da tarde (às 18H00) marcam o arranque e o encerramento do Dia dos Sinos, promovido em parceria pela Junta de Freguesia e Câmara Municipal de Castelo Branco, e Diocese de Portalegre-Castelo Branco, através da Paróquia de São Miguel da Sé, São José Operário e Nossa Senhora das Preces.

Estão em desuso, mas Tom Hamilton registou na investigação que o levou a diversas aldeias do concelho que “os sinos são a linguagem do povo”, manifestando diferentes sons consoante a ocasião, desde o repique em momentos solenes ou festivos, o rebate nas catástrofes, o dobrar anunciando a morte de alguém ou o toque das avé marias, que convidam a orar ao meio-dia.

O evento foi apresentado quinta-feira, dia 13 de outubro, na sacristia da Sé, pelo presidente da Junta, José Pires, pelo pároco de São Miguel da Sé, Nuno Folgado, e pelo presidente do Município, Leopoldo Rodrigues. Esta será a primeira edição de uma iniciativa que quer ter lugar cativo no calendário anual de eventos, sempre no sábado seguinte ao Dia de Finados.

“Temos uma grande expetativa sobre o projeto do Dia dos Sinos, para que ganhe dimensão regional, nacional e, quiçá, consiga chegar além-fronteiras”, assume José Pires, que exaltou a conjugação de vontades da Freguesia, Município e Diocese, para “transformar uma prática comunitária num evento cultural de referência”. Refere ainda que o ideal seria, no repique de abertura, ouvir o toque completo da Torre do Relógio, mas a falta de uma peça só tornará esse desejo possível no próximo ano. “Só conseguiremos ouvir parte desse toque que antecedia o toque das horas e que é também único no país, pois não há nenhuma cidade cuja torre sineira do relógio tenha um toque como o nosso. A maioria imita o Big Ben inglês, ou toca o Avé de Fátima”, revela.

Outro desejo para próximas edições é “realizar um mini concerto com toques diferentes, das diferentes capelas e igrejas da cidade, porque o Tom Hamilton já sabe e conhece as diferentes notas que são marcantes em cada uma das torres sineiras. Ele próprio está desafiado e está a construir uma composição com esses sons”.

Depois do repique de abertura, há uma largada de pombos, às 9H30, no miradouro da Senhora da Piedade. Às 11H00, na Casa do Arco do Bispo, realiza-se um colóquio, por Tom Hamilton, sobre “Que segredos guardam os nossos sinos?”. Aí será também (re)inaugurada a exposição de Veríssimo Bispo, sobre “Castelo Branco: Assim fomos/Assim somos”, com imagens do “antes e depois” de alguns pontos da cidade e que depois se transforma numa mostra itinerante, para ir aos agrupamentos de escolas.

Às 11H45, na Devesa, há o primeiro concerto sineiro, com o Carrilhão Lvsitanvs, o único carrilhão ibérico móvel, de Constância. Às 15H30, na capela do Espírito Santo, há concerto pelo Orfeão de Castelo Branco, com o tema “Palavras cantadas”; às 17H00, na capela da Senhora da Piedade, o evento “Palavras ditas”, pelo Váatão, dizendo, de forma encenada, a poesia dos grandes poetas albicastrenses de todos os tempos; e às 19H00 o concerto de encerramento é na Devesa, pela Orquestra Típica Albicastrense com o Carrilhão Lvsitanvs.

 

Os sinos vão tocar em simultâneo, coordenados por Tom Hamilton

 

TRADIÇÃO O padre Nuno Folgado lembra que “os sinos fazem um resumo do que é a fé católica no nosso meio. A fé católica é a daqueles que respondem ao sino vindo à missa, mas é também a marca daqueles que ao longo de séculos a foram vivendo e a foram plasmando no que foram construindo e fizeram e ainda hoje marca a vida de todos, mesmo dos que hoje não professem essa fé. Os sinos, o granito, o ouro, o Bordado de Castelo Branco, os cálices, os cruxifixos, as telas, tudo isto é a fé de alguém, cristalizada numa obra de arte, que ficou pelos séculos e continua hoje a ser apresentado como tal”.

Os sinos, sublinha, “habitualmente não são lembrados como património. Ninguém diz que a Sé de Castelo Branco tem oito sinos (por acaso tem nove, porque um é muito discreto, está junto ao altar e não se vê). Habitualmente não é uma coisa que se fale, mas ao mesmo tempo é das que mais presente está, porque dá as horas, porque chama para a missa, porque alegra os dias solenes, porque há um pároco que gosta tanto de sinos que pode vezes se esquece que os deixou a tocar”. Além disso, “a Sé tem um conjunto muito harmonioso de sinos. Se imaginarmos oito sons em simultâneo, não é fácil que os oito soem bem ao mesmo tempo. Quatro bamboam (balançam e é o badalo que vai contra o sino) e os outros quatro tocam quando martelados”.

Nuno Folgado não esconde o seu gosto pelos sinos, nem mesmo o sonho de um dia Castelo Branco poder ter um carrilhão fixo, quem sabe em Santa Maria do Castelo.

Em Castelo Branco já não há memória da existência de sineiros, pois “os sinos eram controlados mecanicamente, tendo a máquina sido substituída em 2004 pelo atual sistema eletrónico”. Certo é que “os sinos são uma linguagem como outra qualquer e cada terra tem o seu uso no que respeita ao toque dos sinos. Na minha terra, onde cresci, Portalegre, quando o sino dobra a defuntos, toda a gente fica a saber se é uma criança (felizmente um toque já quase em desuso), se é mulher ou homem”.

Tom Hamilton acrescentou que o propósito do seu trabalho “foi o de salvaguardar os toques que ainda existem nas aldeias” e nessa investigação “houve dois tocadores que se destacaram e se ofereceram para participar no Dia dos Sinos. Vai ser uma experiência muito interessante, porque o sino tocado por fora, com o martelo, é mais estridente, diferente de quando é tocado de dentro, com o badalo”.

Leopoldo Rodrigues elogiou “a iniciativa de dedicar um dia aos sinos de Castelo Branco”, os sinos “que nos convocam para momentos de tristeza e também para momentos de alegria e isso tem marcado a vida dos homens ao longo dos séculos e continuará a marcar por muito mais, porque o encanto dos sinos é apelativo, emotivo e desafiador”. Espera assim que “este programa seja um primeiro momento para valorizar ainda mais os sinos, para ouvirmos com mais atenção a música que nos dão e ao mesmo tempo, através deles, valorizarmos o património material que se transforma em imaterial e, ao mesmo tempo, as suas igrejas e os seus campanários que, dia 5, vão mostrar toda a sua grandeza e o seu encanto. Temos todos os ingredientes necessários para levar por diante esta iniciativa e que seja o primeiro de muitos dias dos sinos”.

 

COMENTÁRIOS

Luisa Campos
à muito tempo atrás
Adoro ouvir os sinos, como todas as pessoas, penso eu. O programa até é interessante.
Mas porque os sinos deixaram de tocar, para reaver a tradição é preciso festa?! Quanto custa a festa?!
Em tempos de crise há bens maiores a merecer destaque e apoio.
Francisco Soares
à muito tempo atrás
Os habitantes ( cada vês menos infelizmente ) das ruas circundantes à Igreja de Santo António tinham por tradição colocar colchas às janelas das suas casas e deitar pétalas de flores em direção dos andores que seguiam na procissão realizada em homenagem ao Santo Padroeiro. Este ano esta tradição foi muito residual e as pessoas atribuíam a fraca participação à falta do toque do sino que alertava para a saída desta celebração. Espera-se que para o ano os sinos da igreja lembrem o dia solene em homenagem ao Santo António.