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Cata-Ventos: Andar à toa

Costa Alves - 07/03/2024 - 9:40

É voz corrente que andamos à toa e não vou contrariá-la. Para mais agora que o país está envolvido numa trama de que não se vê saída. Toa era a corda com que uma embarcação rebocava outra. Um navio que estava à toa não usava o leme; ia para sabe-se lá onde, ao sabor da corrente de quem o puxava. Os rebocados não possuíam autonomia para seguirem o seu caminho. Ou seja, se escolhermos mal a nossa forma de viver ou se a avariarem, mesmo que não notemos, estamos feitos. Ficamos suspensos pelas cordas de quem nos leva.
Então, estando à toa, sem destino confiável, teremos de nos resignar a amanhãs de precários caminhos, previsivelmente tão ou mais precários que os de hoje. E resta-nos ir navegando à vista dentro do pântano, sem fôlego para mais do que ir inspirando e expirando e sem luz que alcance futuro. Enfim, está a chegar o dia em que o 25 de Abril faz 50 anos e não há nada que nos aqueça à volta dessa chama. Nem um dedo aponta para a esperança que abriu. O eleitoralismo seca tudo. Também com ódios de estimação a baloiçar no vento das palavras onde podíamos estar juntos e com voz sonhadora.
Não digo que andamos despreocupados; antes pelo contrário. Isto de andar sem rumo dói, remói, destrói. Mas, digo, estamos tão afundados em depressão que nem nos passa pela cabeça reconhecê-la. As depressões são assim; metem-nos num poço e não querem que finquemos as mãos lá em cima e saltemos para a luz.
Portanto, cá vamos, a Maria com as outras e o Manel no meio - pecador me confesso. Como nos fartamos de iludir a esperança e não a alimentamos com ingredientes genuínos de esperança, o declive vai escorregando para o Estado Social mínimo conquistado a golpes de desigualdade, precariedades e populismo ao deus-dará.
Há dias, a palavra mais esganiçadamente arremessada pelos líderes dos dois partidos que têm governado era (lembram-se?) “bagunça”. A ciência da ação política foi ocupada por arremessos de lógica da batata. Estas tipologias de campanhas eleitorais não servem para pensar e conhecer as substâncias criadoras de desenvolvimento - desenvolvimento sustentável. Como há montes de altos representantes especializados em resolver problemas pelo método da meia bola e força, assim se fecha o círculo de quem se ouve apenas a si próprio e nós a assistir. À toa, sem racionalidade e sem motivação, ao sabor do que vier.
Em campanha eleitoral, estão sempre exasperadamente zangados uns com os outros e em graça consigo próprios e com a tribo de onde emergem. Pelos telhados da retórica soltam vitupérios contra as mais básicas regras de educação em comunidade. Dão lições de desconsideração e cinismo. E a televisão passa essas aulas e muitos, cada vez mais, fogem da contaminação.
Enquanto comunidade, teremos de ganhar substância, voz estruturada, força interior para produzir mudanças nos conteúdos e na forma de estar de quem se candidata a ser poder e a quem o vai exercer. E ter garantias de que as palavras ditas possuam coerência e sustentação em conhecimento, reflexão e prática política do bem comum. Continuando a evoluir no declive, a democracia continuará a deslizar para ainda mais pobre. A esperança de sair deste círculo vicioso está pesada demais para as minhas forças. Mesmo assim, sabendo-me a pouco, no domingo o meu voto não faltará.
Post Scriptum. Não julguem que isto de andar à toa não se pega. Ferra os dentes e finca-se com cola forte. Sou o primeiro a reconhecer e será também à toa que introduzo estas palavras no castelinho frágil onde este Cata-Ventos tem instalado o seu posto de observação.

mcosta.alves@gmail.com

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