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Cata-ventos: Faz pé atrás que melhor saltarás

Costa Alves - 11/03/2021 - 9:34

Ora aqui está uma situação em que precisamos de ter pé, muito pé. Esquerdo, direito e, se for preciso, tripé. Há um ano em intermitentes reclusões, afogados em cuidados esculpidos pelo medo, precisaremos de muita sabedoria  e paciência para chegarmos ao fim desta tão rugosa escalada. Teremos de continuar a andar muito a pé e, acima de tudo, em pé, na vertical e com verticalidade – atitude a que normalmente não ligamos muito. Pé ante pé a pôr o pé e muita cabeça no andar, no respirar, no comunicar. E no pensar a forma de estarmos no mundo que causou o pandemónio em que as nossas vidas patinham.
Para já, não esquecer essas cenas de vacinas roubadas a quem eram devidas. Que não voltem a acontecer, ouviram? É como roubar o pão a quem não tem mais nada além daquele pão. Diz a lenda que o São Martinho ofereceu metade da camisa a um desgraçado e vocês ficaram com ela. Livrem-se de continuarem com as mesmas artimanhas nos outros assuntos em que se põem em bicos dos pés com as vossas más artes e manhas.
Não digo que vos sirva de lição. Sou burro velho e não consumo histórias da Carochinha. Lá diz o adágio: “não há ninguém sem o seu pé de pavão”. Mas, da censura não se livram. Sobretudo da de quem só pode ficar remoído em voz baixa, padecido, impotente. Com os ralhos em voz alta podeis vós, bem sei. No dia seguinte logo se transformam em poeira. A agenda vira-se para outro lado e pronto. Assunto julgado hoje é desjulgado no dia seguinte. Palavras que o vento levou. É a civilização que temos.
Enfim, cá em baixo, moureja-se e “estende-se o pé conforme o lençol” - adágio que tem servido para muitos usos nos territórios da política. Tenho para mim esta outra sentença popular: “não passes o pé além da mão”. O discurso político vigente acha que o passo não deve ir além da perna. É a sua opção. Mas é capaz de ser muito curta de vistas. Diria antes: ai do passo que não tenha pé e chão para o pôr e poder voar! Na verdade, passo que não possa voar não consegue mudar a vida. E, se não tiver pé, de nada lhe servirá qualquer chão. Mas o pé sem chão não terá por onde ir. Muitas vezes nos temos confrontado com estas dúvidas e muitas mais vezes nesta hora em que estamos estagnados na incerteza.
Está muito difícil este viver. Quem labuta diariamente, arduamente, entre mobilidades e imobilidades que engolem tempo e paciência, precisa de muito pé. Tem de fazer finca-pé, prosseguir e não desfalecer; tem que pedalar muito. E não pode pôr o pé em ramo verde. Querem-nos muito direitinhos e unidimensionados. Ainda por cima, temos de ter o cuidado de não dar o pé, pois podem tomar-nos a mão e roubar o ar. Ar cuja composição bem sabemos que continua a ser alterada e não querem que o continuemos a lembrar. Pagá-las-emos em multiplicado ao virar as esquinas do futuro.
Há outros ditados sobre o pé que têm muito que se lhe diga. “Barriga farta, pé dormente”. Ora aí está. Se, prematuramente, enveredarmos pelos caminhos tão almejados da “barriga farta”, voltamos ao que era dantes. Perdemos o pé e regressamos mais uma vez à insuportável reclusão. Na melhor das hipóteses, só lá para o meio do verão nos veremos relativamente livres desta e talvez possamos voltar a respirar uns com os outros. Em contrapartida, haverá mais aflições criadas pela desordem que veio de muito antes e aumentou exponencialmente desde março do ano passado. 
Portanto, “faz pé atrás que melhor saltarás”. De saco vazio é que não. “Saco vazio não se pode ter em pé.”

mcosta.alves@gmail.com

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