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Cata-Ventos: Não se toca na justiça

Costa Alves - 08/02/2024 - 9:16

Da “Justiça de Fafe” só conhecia o histórico referencial simbólico que aquela cidade minhota referendou. A legenda alude a um episódio ocorrido no século XVIII e revelado dezenas de anos mais tarde pelo barão de Espalha-Brasas - nome a condizer. Em vez de espadas ou pistolas para resolução de ofensa em duelo, como era usual entre as nobrezas daquele tempo, o ofendido escolheu varapaus que, ao contrário do ofensor, sabia manejar muito bem. À gargalhada, perante o desfecho adivinhado, a arraia-miúda presente não se coibiu de gritar: “Viva a Justiça de Fafe!”. E ficou o dito: “Com Fafe ninguém fanfe!”. A aplicação da Justiça descia degraus da escala social e aproximava-se da justiça popular.
Ora bem, nos últimos anos, as apologias e movimentações para uma estranha forma de exercício de justiça popular emergiram com uma inesperada naturalidade, se bem que por enviesadas razões e formas obscuras de concretização. É difícil falar do assunto, até porque quem pode averiguá-lo e intervir quer silenciá-lo. Apesar de surgirem algumas vozes a quererem destapar alguns véus, a questão mantém-se como um opaco tabu da política. Há uns anos, falava-se de reformar a Justiça; o que faz, o que não faz, o que deve. Hoje não. Tudo está conforme no seu reino de opacidade.
Discute-se muito, desde que superficialmente, nas altas esferas do Portugal da política (i)mediática, e então agora que estão em jogo remates à baliza dos votos - chamam urna (brrr!) à caixa onde os colocamos. Falam de quase tudo, sobretudo do que é lateral e volátil, sempre em modo simplista, retórico, com depuração de dados, causas, análise, ponderação, fatores, complexidade. Não adiantam e muitíssimas vezes atrasam. Trabalhando afanosamente sobre o que está à vista, usam frases que os cartazes decoram; frases sumaríssimas para nos encaminharem para a cruzinha no quadrado. Como se comprar um champô (de plástico, pois claro) fosse o motivo. Mas, sobre a Justiça, não; não ousam, é explosivo ou/e implosivo. Faz ricochete. Nem com a romântica carícia de uma flor se permitem tocar-lhe.
Serão muitas as razões e, possivelmente, o medo dos efeitos que pode produzir será a mais po(n)derosa. Desse medo, confesso, não podemos esquivar-nos. Desde o caso Casa Pia que um arrepio nos arranha. 
Mas vamos a alguns factos recentes. Não lembraria ao diabo o Ministério Público ir recordar, no dia do Congresso do PS, que o assassino parágrafo que derrubou o Primeiro-Ministro continuava em vigor. Não, não lembraria a esse tal diabo que tem sido tão invocado como protagonista de retóricas de política da pedra lascada dentro da bolha político-(i)mediática que dirige o país.
Também não lembraria ao diabo alguém voltar a sugerir, de véspera, aos jornalistas um embarque imediato para poderem patrocinar a encenação do circo montado na Madeira – circo; é sintomático que assim o designem. Aliás, limitaram-se a secundar a proeza de há uns meses, no Porto, com Rui Rio, de montar uma abstrusa e ineficaz emboscada que não serviu de lição. 
Não lembraria ao diabo, demo, belzebu, satanás, mafarrico. Qualquer deles é inspirador. Tão inspirador que até recomenda demoras de exaustão, irresoluções, incumprimentos, dignidades e reputações feridas ou sepultadas, escutas e outros segredos de Justiça escoados para o lago turbulento do justicialismo populista. Talvez achem que não há investigação sem Comunicação Social à mão de semear. 
Indolente e inconscientemente devorada pelas suas próprias faltas, a democracia vai praticando haraquíris. Sem alibis de honra.
mcosta.alves@gmail.com

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