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Cata-Ventos: Portugal precisa de vencer

Costa Alves - 21/07/2016 - 14:36

E, pronto, somos campeões. Todos. O futebol tem destes sortilégios. Torna-nos todos. Fá-lo em Portugal como em França, na Alemanha, no Chile, para não falar no Brasil. Não tenho ilusões; fá-lo em todo o lado, e, em casos especiais, até por simpatia, em Cabo Verde, ou, de modo afetuosamente original, em Timor. 
E houve manifestações da comunidade portuguesa emigrada em França que dão que pensar. Não falo da geração que partiu nos anos de 1960 com a mala de cartão a tiracolo, mas dos filhos e netos que nasceram e se fizeram na sociedade francesa. 
Nela se fizeram e, no entanto, nem sequer balanceavam divididos: estavam com Portugal contra a França no próprio país em que pais e avós lhes deram ser. Que tenham saltado para o ecrã afirmando-se com tanto zelo e fidelidade, diz muito acerca de como estão a França e, de uma maneira geral, a União Europeia (UE). De como não integram, não assimilam, não convencem, não geram sentimento pátrio. E, como reflexo, de como vem à superfície o reduto cultural português de fundo pondo em evidência uma identidade que não encontram na França onde nasceram e foram criados. 
Portugal não encontraria maneira mais direta de atingir os olhos fechados da UE: ganhar-lhe nestas quatro linhas pertence ao domínio do simbólico. Com muitos significados, entre eles que os grandes não vencem sempre, mesmo quando têm, ainda, as condições para continuarem a vencer. Se há força interior e capacidade de a organizar e exprimir, é possível vencer. É clara a analogia com a situação do país face à UE.
Portugal precisava deste momento. Os últimos, os periféricos, os prevaricadores, os sancionados, os humilhados, agora que tentam não ser apenas obediência com beija-mão, ousam ser primeiros? É do futebol mas, como sabemos há muito, não é apenas do futebol. Para o sabermos, nem era preciso que a política se tivesse chegado tão pressurosamente embandeirada aos microfones, como costuma fazer. 
É a demonstração de mais uma fissura na casa em ruína de uma pretensa nação europeia que, por mais que digam e decretem, não existe nem pode existir, como casa comum, no futuro antevisível. Pode ter existência em alguns domínios das relações entre os estados, pode satisfazer os interesses dos deuses neoliberais dos mercados mas não captam, não integram, nem valorizam as afinidades eletivas que os povos forjam. A identidade histórico-cultural que fornece coesão e visão de futuro. 
Entre parênteses: Que fique bem guardado aquele momento em que um menino, de fala francesa, rigorosamente equipado à portuguesa, consola a amargura chorosa de um cidadão francês desarrumado pela derrota na sua própria casa.
Não importa que, desportivamente, o campeonato não tenha valido um caracol. De resto, se o campeonato não valeu um caracol, os canais de televisão encarregaram-se de diminuir ainda mais a vivência do acontecimento esticando microfones e alto-falantes sem saberem deontologia, perscrutando obsessivamente banalidades e crendices.
Na esfera da globalização que também abarcou o futebol, as identidades nacionais têm uma imperiosa e incontida necessidade de se exprimirem. Será uma das formas mais extrovertidas de resistência. E esta União Europeia, que de união tem tão pouco, está muito distante desta perceção dos povos. Está contra e, enquanto estiver contra, não entenderá a sua natureza e as consequências últimas, extremas, bárbaras, que ainda há oito dias espalharam novamente o horror, agora na marginal de Nice.

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