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Cata-Ventos: Sobre as centrais nucleares espanholas

Costa Alves - 09/03/2017 - 10:54

Não me espanta o “acordo de cavalheiros” sobre Almaraz apadrinhado pela Comissão Europeia. A troco de informações do lado espanhol, o governo português suspende a queixa, esquece o estudo de impactos transfronteiriços e admite que a construção do armazém de resíduos continue. As preocupações e dinâmicas das associações de defesa do Tejo diferem muito das do governo. 
Valerá a pena recordar o plano da ditadura franquista arquitetado e iniciado nos anos de 1960 para dotar Espanha de um sistema de produção de energia elétrica com origem na fissão nuclear. A primeira central, Zorita (Guadalajara), iniciou o sua laboração em 1969 utilizando as águas do Tejo para refrigeração e foi encerrada 37 anos depois, em 2006. 
A agora muito falada central de Garoña (Burgos), entrou em funcionamento em 1971 e cessou em 2012. Utilizava águas do rio Ebro a 43 km de Vitória, 58 de Bilbau e 62 de Burgos. Já este ano, foi tornada pública a intenção de a repor a laborar mais 20 anos. Se vier a acontecer, chegará à impensável (para uma central nuclear) “bonita” idade de 61 anos. 
Será também de recordar que o plano energético da ditadura do “generalíssimo” Franco continha cerca de 30 centrais nucleares mas, neste momento, só cinco estão ativas, todas com início de laboração entre 1981 e 1988, duas (Ascó - Tarragona e Almaraz - Cáceres) com dois reatores. Não temos falado nela, mas convém anotar que Trillo I (Guadalajara) também se banha no Tejo a 47 km de Guadalajara, 80 de Cuenca e 93 de Madrid. Embora muito mais distante do que Almaraz, um acidente em Trillo pode contaminar a bacia hidrográfica do Tejo até Lisboa.
Entretanto, estão paralisados, inativos ou em fase de desmontagem, treze reatores em dez centrais. Em fase de desmontagem está Vandellos I (Tarragona) que operou entre 1972 e 1990, quando um incêndio obrigou ao seu encerramento, O reator II da central de Trillo (no Tejo) também se encontra desativado.
Acontece que o plano dos anos 60 foi profundamente alterado após a vitória, em 1982, do PSOE, liderado por Felipe González. Em 1984 (dois anos antes da catástrofe de Chernobil), o governo determinou uma moratória impeditiva da construção de mais fontes geradoras de eletricidade com base no nuclear, como foi o caso de Valdecaballeros (Badajoz), que seria abastecida por um afluente do Guadiana, e de Sayago (Zamora), a leste de Miranda do Douro. 
A moratória não se aplicou às centrais que já se encontravam em fase adiantada de construção e que começaram a operar entre 1981 e 1988 (as únicas em atividade hoje) e tem-se mantido ao longo destes anos ocupados pela rotatividade governamental do PSOE e do PP. Ou seja, com a moratória, Espanha reconhece que o sistema de produção de eletricidade não podia continuar a desenvolver-se projetando o encerramento das que restam logo que se cumpra o ciclo de vida dos sete reatores ainda em laboração. 
Os interesses instalados determinam a tentativa atual de violarem o limite de segurança antes definido esticando-o até ao máximo gerontologicamente (im)pensável. Operando além de 30 anos, as centrais entram num território em que as respostas dos materiais são cientificamente desconhecidas. Ficam assim exponenciados os riscos sempre existentes numa laboração que deixa resíduos que permanecerão radioativos durante dezenas a centenas de milhares de anos ameaçando milhares de gerações que pensarão em nós como se tivéssemos sido inimigos deste mundo.
mcosta.alves@gmail.com

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