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Cata-ventos: A bom pedidor, bom tenedor

Costa Alves - 11/02/2021 - 9:29

Passou-me pelos olhos um ditado popular que me deixou intrigado: “A bom pedidor, bom tenedor”. Que quererá dizer? Só procurando. De “pedidor” tenho memórias de infância e adolescência: “pedidos” que se faziam em diversos âmbitos para obter vantagens. Embora nunca tenha ouvido rotular de “pedidor” quem usava esses expedientes, os “pedidos” eram socialmente acalentados naqueles tempos de escura ditadura.
Provavelmente, a “cunha” já seria usada em estrados mais altos para que o pau da vida ficasse firme e fosse mais rendoso. Um “pedido” era coisa modesta, coisa pouca. O camponês que conseguiu pôr o filho a estudar na cidade, se não conhecia ninguém, era o cabo dos trabalhos para lhe conseguir emprego.
Em expansão de atividades numa economia que era forçada a abrir-se, os bancos eram os empregadores mais disputados. Comparativamente, eram ótimos pagadores. Saía-se da camada baixa e entrava-se imediatamente na média. Eram um elevador social rapidíssimo. Tomara o professor do ensino secundário, por exemplo, ter o vencimento que, com 9 anos de escolaridade, se obtinha nos bancos.
Um “pedido” à pessoa certa premiava ambições. Quem podia tratava de si e dos ao seu redor e, quem não podia, emigrava para bairros de lata ou ficava dissolvido nas trevas à volta do adro. Na altura, não tínhamos como saber o que se passava fora da estreiteza da então pequena cidade albicastrense. Vim a perceber depois, já fora dela, como a coisa funcionava entre as águas pequenas das sardinhas e as águas grandes dos tubarões.
Tentando decifrar o ditado, parei em “tenedor”. Não encontrei referências antepassadas (não só da ocupação espanhola de 60 anos) de como muitas palavras do idioma castelhano se introduziam e ficavam no nosso falar. “Tenedor” terá sido de uso temporário, mas encontro-a registada numa compilação portuguesa do adagiário. Em língua castelhana, “tenedor” é garfo e, metaforicamente, a um bom “pedidor” daria jeito encontrar alguém que se fixasse e movimentasse como garfo. Mas desviei daí o sentido; seria forçado. No entanto, “tenedor” também significa detentor e possuidor (do latim clássico tenere que evoluiu para o português ter) e, diz-me um dicionário de castelhano, que também se refere a pessoa que possui uma coisa independentemente de que seja seu dono ou não.
Terá valido a pena o trabalho, pois talvez ajude a perceber por que razão há vacinas que, em vez de irem para quem estavam destinadas, levaram sumiço para outrem. Isto é, outrem que, não sendo dono nem destinatário delas, detém poder para as chamar suas e lhes alterar o destino. Como de cima não vieram orientações determinantes, contemplando também situações anómalas previsíveis, foi fartar vilanagem. Em todo o lado nasceram enxames de “tenedores” a satisfazerem os seus eleitos “pedidores”.
Claro que nenhum comprovativo de inocência pode ser apresentado (ou pode?) por quem decidiu que, por ser quem é, tinha primazia. Eles ou elas e as suas largas adjacências eletivas. Puxo outro ditado para sintetizar: “Não há cunha melhor que a do mesmo pau”.
Enfim, veio ao de cima um velho portugalzinho (tal como um velho mundozinho) que anda por aí a governar-se, ou ajudar a governar, com desculpas de mau pagador, com desculpas hilariantes e esfarrapadas de esconder o sol com a peneira da praxe, com frases evasivas de esconder vergonhas apanhadas com a boca na botija. Um portugalzinho que já não precisa de “pedidos” para fazer o que só palavras muito fortes podem designar.

mcosta.alves@gmail.com

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