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Cata-Ventos: Aqui há gato(s)

Costa Alves - 02/06/2021 - 10:06

Pois é, “quem não tem cão caça com gato”. Assim dizemos, mas é um ditado contestado e, na verdade, quem contesta esta redação, garante que, com o passar dos anos, o genuíno ditado popular foi adulterado em transmissão oral produzindo uma alteração de conteúdo do original: “quem não tem cão caça como gato”. Isto é, caçamos esgueirando-nos sorrateiros, astutos, calculistas, independentes. Como se estivéssemos na selva; urbana, claro.
Alexandre O’Neill conhecia a maneira de ser dos gatos. No seu poema “O Gato” pergunta: “Que fazes por aqui, ó gato?/ Que ambiguidade vens explorar?” E descreve o que vê: “Senhor de ti, avanças, cauto,/ meio agastado e sempre a disfarçar/ o que afinal não tens e eu te empresto”. Define-o como um “pesadelo lento e lesto, fofo no pelo, frio no olhar” que suscita a pergunta: “Qual o crime de que foste testemunha?” E a dúvida sobre se seremos seus “donos” ou seus “servos”.
Por seu lado, o escritor Fialho de Almeida (1857-1911) deixou-nos esta belíssima apreciação num dos seis volumes de “Os Gatos” em que retratava de forma irónica a sociedade do seu tempo: “Deus fez o homem à sua imagem e semelhança e fez o crítico à semelhança do gato. Ao crítico deu Ele, como ao gato, a graça ondulosa e o assopro, o ronrom e a garra, a língua esponjosa e a câlinerie. Fê-lo nervoso e ágil, refletido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes, e terrível com agressores e adversários – um pouco lambareiro talvez perante as pequenas coisas e um quase nada cético perante as coisas consagradas, achando a quase todos os deuses pés de barro, ventre de jiboia a quase todos os homens e a quase todos os tribunais portas travessas.” 
Realmente, há qualidades nos animais que também possuímos; e vice-versa. Não só do cão, claro, e do gato, como está dito. Até conseguimos ser como o elefante na loja de porcelanas ou selváticos a lutar entre nós atirando bombas para onde não são chamadas. Não falando em burros e camelos, cujas qualidades muito admiro, para lamentar as ofensas que lhes fazemos presumindo que somos os melhores do reino animal.
Dos fôlegos do gato dizem que lhe dão sete vidas. A sabedoria popular sabe muito sobre a energia metafórica que transporta para as nossas vidas. Quantas vezes não temos de “andar como gato sobre brasas” neste mundo tão desigual onde muitos vivem em chão de brasas e têm de “tirar a brasa com a mão do gato”. Passe a aparente contradição de “gato escaldado de água fria tem medo” que nos previne de riscos cada vez mais numerosos. 
De resto, já sabemos (ó se sabemos!) que “bonitas palavras não engordam gatos”, que há “comer gato por lebre” e que “os sonhos dos gatos passam-se sempre na cozinha”. Nunca tendo sido gato, toda esta sabedoria se aplica à nossa humana (e desumana) natureza. Mesmo assim, pelo sim, pelo não, também dizemos “um olho no prato, outro no gato.”
Na verdade, “as coisas são como são e não como o gato quer”. Como quem diz, por exemplo, a Palestina (ou o Saara Ocidental) está no estado em que está, mesmo que há muito o não queira quem sente horror pela barbárie. 
Já agora, também será de reter que “gato bradador, nunca bom morador” - e ele há tantos… Para o ministério do Ambiente vai esta: “Não te fies em água que não corre nem em gato que não mia.” Sobre a utilidade do gato, hoje apenas tomado como animal de companhia, dizia-se: “enquanto o gato anda pelo telhado, anda o rato pelo sobrado”. A corrupção e outros desmandos que o digam!

mcosta.alves@gmail.com

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