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Cata-Ventos: Elefantes brancos e vida de estroina

Costa Alves - 20/04/2017 - 11:44

Elefantes brancos há muitos.

De espécie em extinção que temos de defender a todo o custo por essas savanas do vasto mundo, passámos a reproduzi-la nas selvas urbanas.

Selvas urbanas, assim  chamamos às cidades, embora não cultivem esses tão corpulentos e simpáticos animais com tantas habilidades na tromba.

Mesmo tendo na nossa história façanhas maravilhosas com elefantes, além da que José Saramago ficcionou na sua “Viagem do Elefante”.

A expressão “elefante branco” inspira-se num costume do antigo reino de Sião, atual Tailândia.

Quando um cortesão caía em desgraça, o rei oferecia-lhe um elefante branco que, obviamente, não podia recusar.

Porque era encarado como animal sagrado, não podia ser obrigado a trabalhar e, sendo um presente do rei, era interdito vendê-lo.

E matá-lo, nem pensar; era crime de lesa pátria. Restava ao infeliz agraciado acomodar convenientemente o animal e garantir-lhe uma provável vida longa - mais de 100 anos, em média. 

Não consta que este seja o comportamento reservado às cortes políticas dos nossos tempos.

Pelo contrário, temos sabido, com abundância de exemplos, o que acontece a um governante que deixa de o ser.

É dos livros e da experiência que o melhor está para vir. Ou, por outra, ir para governante é o investimento que tem de fazer para atingir o paraíso que o deus dinheiro lhe destina. Paraíso para uns quantos e, como temos comprovado, inferno para quase todos nós.

Ora aqui temos uma inspiradora metáfora do que, abundantemente, se possui ou se construiu, mas que não serve para nada.

Como também temos constatado, há elefantes brancos de todos os tamanhos e feitios e há quem os torne superlativos chamando-lhes “obra feita”.

Em muitos casos, são “obra feita” sem garantia de organização, manutenção e programação; sem sustentabilidade que é disso que o futuro precisa que a “obra feita” tenha. 
O que importa, nestes casos, é erguer a obra e abençoá-la com os faustos do regime.

O que importa é garantir fazê-la. Não interessa que, lá dentro, no longo tempo que vai atravessar, não se passe nada ou nem um décimo do que pode passar-se. É uma (in)cultura de governação. Não exagerarei se disser que é obra de... estroina.

ESTROINA. Lendo a autobiografia do genial realizador de cinema e encenador teatral Ingmar Bergman, significativamente intitulada “Lanterna Mágica”, deparo com esta palavra que há muito tempo não ouvia: “estroina”.

Ingmar Bergman fala de uma “atriz, bela e genial” que “perdeu a memória, os dentes caíram-lhe, e acabou por falecer num manicómio aos cinquenta anos.” E pesarosamente conclui: “Foi esse o preço que pagou pela sua vida de estroina.” 

Quantas vezes ouvi esta palavra a apontar o dedo ao “doidivanas” que se “amigou” com a “pândega” entendendo que a vida é apenas diversão, devassidão, esbanjamento, dissipação. Enfim, copos e mulheres, como diz o outro.

Falo de palavras em desuso - estroina, pândega, amigar, doidivanas - palavras cujos desaparecimentos deixam muitos mistérios para desvendar. 

Se bem que a evolução da sociedade explique o apagamento de muitos vocábulos (ler, ler e encontrar tantos em Aquilino Ribeiro) por terem desaparecido as atividades que descrevem, não me consta que os (e as) doidivanas tenham desaparecido do mapa da vida, que ninguém tenha voltado a amigar-se, que a pândega tivesse acabado e, muito menos, que já não se tenha vida de estroina.

Que mais não seja, os elefantes brancos estão aí para a provar.

mcosta.alves@gmail.com

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