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Cata-Ventos: Há dias atrás

Costa Alves - 06/05/2021 - 9:31

Há dias em que se pode ganhar o dia com uma insignificância. Então não é que, há duas semanas, ouvi a ministra da Cultura começar uma frase com o “há dias atrás” da praxe e, ato contíguo, vejo-a corrigir o que dissera para o repor no seu verdadeiro lugar omitindo o dito “atrás”. Recomeçou proferindo, tão simplesmente, “há dias, verifiquei…” 
Confesso que, nos últimos tempos, é a primeira vez que encontro alguém capaz de tal feito na frente televisiva. Dirão: é ministra da Cultura, qual é a admiração? Bom, praticamente, não há condições para verificar, pois de cultura pouco reportam os canais de televisão e raras são as ocasiões em que a ministra diz de sua Cultura. Mas gostei. Gostei, sobretudo, de a ver emendar a redundância que todos repetem nos ecrãs, sejam Presidente da República, Primeiro-Ministro, Ministra da Saúde, etc, etc, comentadores, especialistas, pivôs de telejornal, entre quase todos os jornalistas.
Se se limitassem a uma vez por outra, vá que não vá. Mas sempre e sempre carregando às costas o apêndice do “atrás”, repetindo o que já sabemos ser passado? Há três dias “atrás”, há meses “atrás”, há dois séculos “atrás”, cansa. Ainda se falassem de alguma coisa que poderão fazer “há cinco dias adiante”… Pelo menos, podiam entremear e não cumprir a toda a hora os ditames do novo tique. Já não falo de outros ainda mais enfastiadores que gralham por aí, como o da insuportável bengala do “aquilo que é”.
Mas, vamos lá às medidas que a ministra anunciou para entrarem em vigor em janeiro do próximo ano, muitas por conta do Plano de Recuperação e Resiliência e não pela via orçamental que há muito se reclama atribuir à Cultura 1% do PIB - uma ninharia, se pensarmos no que os bancos e outras fancarias têm levado.
Algumas medidas são exigidas há muito tempo, como os diversos tipos de proteção social dos trabalhadores da Cultura – estão em causa entre 137 e 180 mil. Veremos então como vai ser. Antes tarde do que nunca, mas cansa e faz estragos.
Uma medida que interessa a qualquer cidade do Interior, como a ressurreição da rede de cineteatros, renasce do único período, no final do século passado, em que tivemos política de cultura a sério no ministério da Cultura. Será desta que voltaremos a ter política de cultura a sério no ministério da Cultura? A cassete do “vamos ver” é o nosso habitual prémio de consolação.
Pensando em Castelo Branco, há decisões que chamam a atenção: 150 milhões de euros para requalificação de monumentos, palácios, teatros e 49 museus. Corro a ver a lista e nada. O Paço do Bispo, monumento nacional, onde funciona o Museu Francisco Tavares Proença Júnior, não está no mapa das intenções de intervir. Museu com 111 anos de muito património e muita história. 
Cheguei a pensar que a passagem do Museu, em 2015, para a gestão municipal iria contrariar o que a Administração Central não fazia, ou fazia mal. Mas não. Foi pior a emenda que o soneto. O soneto não tinha asas, definhava sem medicamentação e entrava em ruína. A emenda transformou-o num deserto, sem conceito nem projeto, sem direção, sem técnicos superiores profissionais da área e com os restantes poucos funcionários em trânsito para a aposentação, sem atividades e sem programas de estudo, investigação, recolha, documentação, conservação, restauro, interpretação, exposição e divulgação do seu património centenário. Sem cumprir os mínimos dos mínimos da sua missão, a proximidade municipal fez pior que a lonjura da administração central. E, pelos vistos, a esta tanto se lhe dá.

mcosta.alves@gmail.com

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