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Cata ventos: O interior e as alterações climáticas

Costa Alves - 26/04/2018 - 10:47

Ainda estamos mergulhados num poço de perplexidades quando pensamos sobre o Interior. E a conversa, do “como foi possível” que tenha chegado ao que chegou, vem alimentando as nossas incapacidades de enfrentar os problemas nas suas várias escalas. Perguntamos pelo futuro e herdamos mais e mais perplexidades. 

Pensemos nos efeitos produzidos pelo aquecimento global. No horizonte, temos a subida do nível do mar conjugada com situações mais frequentes e intensas de vento que geram fortíssima agitação marítima. Seremos obrigados a investir muitos recursos nas áreas metropolitanas e nos povoamentos e geografias costeiras. Se não houver mudança de opções, os recursos para enfrentar o despovoamento e o desordenamento do território serão desviados para as prioritárias concentrações eleitorais do Litoral.

E há que defrontar a maior variabilidade do comportamento dos invernos e das estações de transição, o aumento da frequência e intensidade das secas e a consequente diminuição e incerteza da disponibilidade de água. Tendo efeitos severos no todo nacional, os problemas tornam-se críticos onde está a agricultura, a pecuária e, claro, a água. E a sua gestão obriga a que não se pense apenas no amanhã como um hoje que passa. E nem falo dos maus tratos com que vão fustigando o Tejo e tantos outros cursos de água e a própria albufeira de Santa Águeda que nos abastece. 

Também temos que enfrentar os efeitos mortíferos das ondas de calor que produzem, habitualmente, duas frentes de calamidade. Uma, na floresta - a única a que agora dedicam atenção e abundantes e improfícuas frases de horror – a outra, na saúde e em muitos ecossistemas. Pelo menos desde 2003, este agudíssimo problema do Interior tem-se manifestado e não quiseram saber. Passo adiante, pois está na ordem do dia e espero que continue nos próximos anos. 

A segunda frente de calamidade atinge bebés, doentes crónicos de qualquer idade e, sobretudo, pessoas com mais de 65 anos. Entre 2003 e 2013 faleceram 6 320 pessoas vitimadas por causas relacionadas com exposição a excesso de calor - dados do Instituto Ricardo Jorge. Nesse período de 11 anos, perderam prematuramente a vida mais de mil pessoas em cada um dos verões de 2003, 2006, 2009 e 2013. Entre 1980 e 2003 (em 24 anos), tinham-se registado dois verões (1981 e 91) com excedentes de mortalidade superiores a mil. 

Até 2013, os dados eram divulgados, mas não o fizeram quanto aos impactos entre 2014 e 2017. Isto é, têm uma quase única preocupação pela floresta e, mesmo assim, com os resultados catastróficos que conhecemos. Esta segunda frente de calamidade é comunicacionalmente invisível e, portanto, não é considerada. Devia estar ao mesmo nível de preocupação, conhecimento e ação operacional dos incêndios, mas não está. Embora atingindo também um Litoral muito mal aclimatado ao calor extremo, os dados revelam que a incidência da mortalidade é muito maior no Interior. E estão em equação muitas causas: habitações construídas da mesma forma em toda a parte, consumos e preço da energia, modelos de urbanização, desproteção em lares, infantários, hospitais, etc. E ainda teremos de equacionar e tomar medidas estruturais de prevenção face ao aumento da morbilidade que se traduz em encurtamento do tempo de vida, assunto que precisa de muita investigação. 

Se são sinceros na sua recente devoção pelo Interior, lembrem-se de que “não herdámos a Terra dos nos pais; pedimo-la emprestada aos nossos filhos”.

 

mcosta.alves@gmail.com

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