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Cata-ventos: Palavrões para que vos quero!

Costa Alves - 20/05/2021 - 9:46

Ariano Suassuna, o dramaturgo de “Auto da Compadecida”, não dizia palavrões. Aprendeu-os nas aventuras de infância no pequeno estado da Paraíba no Nordeste Brasileiro e achou-os sempre “vulgares e sem graça”. Conhecia todos, pois, afirmava, “quem os diz, só sabe os palavrões da cidade e eu conheço os da cidade e do campo”. Não tinham novidade nem adiantavam nada ao que ia vivendo. Fazia uma exceção: “Só gosto de palavrão quando é dito com inteligência.” Na verdade, só raramente se pode encontrar inteligência na selva dos rotineiros quotidianos polvilhados de palavrões.
Quando os expelimos, como vómito ou como rotina, estamos fora de nós; estamos como não devíamos estar: inserenos, inseguros, de mal connosco ou surdos ao que ouvimos do que dizemos. O palavrão é uma pedra que vamos buscar ao nosso deserto para atirar às cegas. É um ressaibo subconsciente da falta de razão. Como quem julga que salva a honra do seu convento buscando razão com violentas palavradas. 
Há quem tenha pelo palavrão o gosto pela capicua: palavrão - palavra – palavrão. É um vício e uma exibição do machismo vindo do fundo dos tempos. Como se fizesse parte da nossa individualidade. Quando o palavrão navega por rotina, palavra-sim, palavra-não, então é porque não sabemos lavar a boca das palavras; é um montículo de areia que sobra do deserto de ideias em que vamos. Os palavrões preenchem os espaços do que fica por dizer. São bengalas de incomunicação que entopem o cérebro. Os palavrões não os levam o vento, revelam muito do que somos e não somos. 
A bem da verdade, devo dizer que há maneiras e conteúdos no que dizemos que, não sendo palavrões, podem ser piores. Verrina, insídia, insulto, injúria, cinismo, estamos bem atestados de os ver desfilar na televisão, seja como patranhas de Novo Banco ou como desumanizantes tramas de Odemira. E pela voz de parlamentares ou daquele membro do governo que, cada vez que fala, não palavroneia; traulita.
Passo por grupos de jovens e ouço os palavrões que aprendi no lá longe da infância e adolescência. Também os conheço todos, de cor e salteado, como o Ariano Suassuna. Fica a pairar um modo desfeminino quando as raparigas falam. Soletram o modo machista julgando que exibem desinibição. 
Realmente, o caso agudiza-se quando os palavrões vêm de vozes femininas. Nem sequer inovam dizendo palavrões do e no feminino - não conheço um para exemplo. Renderam-se ao palavronear sujo do género masculino. 
Seria pensável que tentassem concorrer com o léxico do masculino com o seu próprio léxico de palavrões inspirados nas experiências e nas simbólicas da condição feminina. Ao menos que fizessem isso. Mas, não. Nada que revele desconforto nem a mínima reação de emancipação feminina, mesmo que mal conduzida. É um sinal de que a subalternidade feminina tem ainda muito que penar.
Post Scriptum. Permitam que aconselhe a leitura do último (o sétimo) romance do escritor timorense Luís Cardoso. Título: “O Plantador de Abóboras”. Tivemos tanto Timor nas nossas vidas que vale a pena voltar. Neste caso, seguindo os caminhos ficcionados de três gerações que atravessam a guerra de Manu-Fahi contra o colonialismo português, a ocupação japonesa na Segunda Guerra Mundial, a ocupação indonésia e a atualidade de país independente. É Timor a conhecer-se e a realizar-se, histórica e culturalmente, através da criação literária de um excelente romancista, o primeiro, de um país de contadores de histórias. Edição da “abysmo” (www.abysmo.pt).

mcosta.alves@gmail.com

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