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Leitores: Cebolais de Cima. Do Ti João Cabrito ao Barão do Sal

António Luís Caramona - 02/02/2023 - 10:07

Ou a história da primeira fábrica de Cebolais - parte I

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No dia 1 de Setembro de 1890, para fazerem uma escritura de caução, ou de garantia, encontram-se no notário os outorgantes: Paulo Lanchner, na qualidade de procurador de B. Marchert e Companhia, uma empresa sediada em Lisboa e também João Gonçalves Rodrigues Cabrito, fabricante de panos de lã e a sua mulher, Maria Ribeira. 
Disse o casal que, como garantia para o fornecimento de máquinas que aquela companhia se obriga a fornecer-lhes, para a sua fábrica de fiação em Cebolais de Cima, e que importam aproximadamente em seis contos e cento e sessenta mil réis (6.160.000:000) eles irão hipotecar várias propriedades rústicas e urbanas de valor muito superior.
Dos bens a hipotecar fixemo-nos apenas nas localizadas no sítio da Maçanzeira, ao ribeiro da Corga, e que eram o edifício da fábrica, no valor de um conto e quinhentos mil réis (1.500.000:000), e mais quatro casas em frente da qual estão separadas com uma quelha. Hipotecam ainda as máquinas e utensílios existentes nessas casas, a saber, sete teares, uma forja e um pisão.
Poucos meses depois, em Janeiro do ano seguinte, haverá uma nova escritura em que José Domingos Ruivo Godinho, proprietário e advogado e José António Grilo, monárquico, negociante e proprietário, ambos de Castelo Branco, emprestam ao casal dois contos de réis em partes iguais. Haveriam eles de contrair ainda um novo empréstimo, no valor de um conto de réis, agora junto de José Pereira Monteiro, comerciante de Alcains.
A 3 de Maio de 1893, Dia da Santa Cruz o dia mais dia em Cebolais, Maria Ribeira era a única mulher presente no notário da Rua dos Oleiros, e sua presença era para que ela concordasse em ceder a sua parte do prédio da fábrica à sociedade que estavam ali a constituir, pois este também era pertença sua. Os restantes, todos homens, iriam subscrever uma escritura de sociedade com o capital social de nove contos de réis, divididos em 64 parte iguais, “…cabendo a João Gonçalves Rodrigues Cabrito-22 partes, a José Gonçalves proprietário de Cebolais de Cima-12 partes, ao Excelentíssimo senhor doutor José Domingos Ruivo Godinho-15 partes e aos ilustríssimos José António Grilo-10 partes e José Pereira Monteiro-5 partes…” e assim nascia a primeira fábrica mecanizada em Cebolais, com a designação de Fábrica de Fiação dos Cebollaes de Cima, Sociedade Anónima, cuja administração pertenceria a João Cabrito e, na sua falta, a José Gonçalves seu amigo e compadre, lavrador do Retaxo que casara em Cebolais com Maria Duarte Bentinho filha de um proprietário abastado.
Passados catorze meses, depois de ter sido fundada a sociedade, a 16 de Julho de 1894, o casal volta ao notários para tratar da vida e, nesse dia, despacham três escrituras de seguida.
Na primeira, tendo José António Grilo como procurador do fornecedor das máquinas, fazem “o distrate da caução”, isto é, as máquinas estavam pagas e libertavam as hipotecas. Na segunda, com o mesmo e a sua mulher, mais o José Pereira Monteiro que estava solteiro, estes “… vendem-lhes de hoje para sempre as partes que têm na Fábrica de fiação … venda feita por 375.000:000 réis dos quais JAGrilo recebeu 250.000:000 e JPMonteiro 125.000:000, quantias estas que receberam no acto, do comprador, em boas notas do Banco de Portugal…”.
Cansados não estariam, pois, sem despegar, na terceira fazem com os mesmos mais uma escritura de empréstimo onde JAGrilo lhes emprestou dois contos de réis e JPMonteiro um conto, empréstimos estes feitos por um ano, a 12,5% juros com as despesas de registos e emolumentos por conta de João Cabrito.
Para este empréstimo o casal hipoteca parte das partes da fábrica que acabavam de comprar, umas tapadas e ainda uma casa em construção situada na rua da Fábrica. Esta casa é o casarão situado na Eira de Semôa, hoje largo João Gonçalves Rodrigues Cabrito, uma casa com capela, uma capela que o Bispado nunca aprovou porque tinha por cima um quarto de cama, O altar dessa capela é o pequeno altar que está hoje exposto na antecâmara da capela mortuária, Casa de Nossa Senhora das Dores.
Com esta compra o casal passava a deter 37 partes do capital social da sociedade e, dois anos depois, por morte do Dr. Godinho, a viúva, Maria Amélia Penteado d´Almeida Godinho e os herdeiros vendem-lhes a participação que detinham na sociedade por 375.000:000 réis.
Isto é, em três anos João Cabrito conseguiu desligar-se dos sócios que lhe concederam os empréstimos, mas a vida da indústria não lhe devia ser muito fácil, pois nos anos seguintes existem mais umas quantas escrituras de empréstimos: um conto de réis aqui e ali, mais 500 mil réis acolá, empréstimos que acabavam por ser pagos pelo casal, mas sujeitos sempre a elevadas taxas de juro anuais.
Estávamos a 16 de Julho de 1902 quando o notário se deslocou a casa de José Gonçalves, na rua do Rossio, para fazer uma escritura de doação. Ele e a mulher doavam às duas filhas e aos dois filhos todos os seus bens, isto é, os herdeiros passavam a ser também sócios da fábrica.
Nesta doação, das doze partes que possuía na sociedade, José Gonçalves ficou na posse de metade e as filhas, Maria Bentinha casada com António Belo Júnior e Maria Gonçalves casada com João Belo Júnior, bem como os filhos, Domingos Gonçalves Duarte casado com Maria Duarte Oliveira e Joaquim Gonçalves Duarte casado com Isabel Ribeira, detinham cada um uma parte e meia do capital social.
Até que, vinte anos depois de ser constituída a sociedade, no dia 18 de Janeiro de 1903, a Fábrica de Fiação dos Cebollaes de Cima, Sociedade Anónima seria vendida na totalidade a Joaquim dos Santos Sal. 

António Luís Caramona paudegiz@gmail.com (escrito de acordo com a antiga ortografia)

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