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Comissão Nacional de Justiça e Paz pede salários justos

- 26/01/2023 - 9:36

A justiça de um sistema socio-económico dever ser apreciada segundo o modo como nesse sistema é equitativamente remunerado o trabalho; a melhor forma de realizar a justiça nas relações entre trabalhadores e dadores de trabalho é a que se concretiza nessa remuneração (ver Laborem exercens, n. 19).

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A comissão de justiça e paz

A justiça de um sistema socio-económico dever ser apreciada segundo o modo como nesse sistema é equitativamente remunerado o trabalho; a melhor forma de realizar a justiça nas relações entre trabalhadores e dadores de trabalho é a que se concretiza nessa remuneração (ver Laborem exercens, n. 19).
Como definição do salário justo, afirma a Gaudium et Spes (n. 67): «…tendo em conta as funções e produtividade de cada um, bem como a situação da empresa e o bem comum, o trabalho deve ser remunerado de maneira a dar ao homem a possibilidade de cultivar dignamente a sua vida material, social, cultural e espiritual e a dos seus».
Um salário justo deve atender às necessidades familiares do trabalhador, pois é ele que torna possível a constituição de uma família, que é um direito fundamental e uma vocação da pessoa (ver Laborem exercens, n. 10). Tal não exclui a importância de apoios públicos à família, segundo critérios de justiça social.
Há que destacar uma tríplice relação do salário: com o sustento do trabalhador e sua família, com a situação da empresa e com o bem comum (ver Quadragesimo anno, n. 4). A remuneração deve ser adaptada às possibilidades da empresa, de modo a não comprometer a sustentabilidade desta, mas deve questionar-se a viabilidade de uma empresa que não consiga assegurar níveis salariais compatíveis com o sustento dos trabalhadores. Deve, também, ser tida em conta a repercussão dos níveis salariais no bem comum, designadamente na criação e manutenção do emprego em termos globais.
A criação e manutenção de postos de trabalho é uma forma de concretizar a função social da propriedade privada e o destino universal dos bens (ver Centesimus annus, n. 43). A missão do empresário deve ser enaltecida enquanto meio de criar oportunidades de trabalho para outros, «um modo de desenvolver as capacidades que Deus nos deu e as potencialidades de que encheu o universo» (ver Fratelli tutti, n. 123).
No combate à pobreza, é fundamental a criação de empregos justamente remunerados. Os subsídios devem ser sempre «um remédio provisório para enfrentar emergências», porque o objetivo é o de conseguir uma vida digna através do trabalho (ter a dignidade de «trazer o pão para casa»). «O trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se co-responsável do mundo e, finalmente, viver como povo» (ver Fratelli tutti, n. 162).
Baseados nestes princípios que colhem da doutrina social da Igreja, e analisando a situação portuguesa atual, as organizações subscritoras deste manifesto declaram o seguinte:
Verificamos como o salário que recebem muitos trabalhadores portugueses não lhes permite, a eles e suas famílias, superar uma situação de pobreza enquanto privação de recursos necessários a uma vida condigna no contexto social atual. Isso verifica-se em grande número de trabalhadores que auferem o salário mínimo, sendo que o salário médio também não se distancia muito deste. Mudar esta realidade o mais rapidamente possível deverá ser um objetivo prioritário que mobilize as empresas, a sociedade civil e as autoridades políticas.
Verificamos também que essa situação de baixos salários coexiste com outros muito elevados, gerando acentuadas desigualdades que consideramos socialmente injustas. São de aplaudir todos os esforços e políticas que evitem essas desigualdades de níveis salariais.
Sabemos que a qualificação profissional é muitas vezes essencial para obter melhores remunerações. Neste plano, somos confrontados com mudanças profundas a que não podemos ser alheios, como a revolução digital e tecnológica, a emergência climática e a necessária transição energética. Perante este desafio, as empresas deverão promover a formação e reciclagem dos trabalhadores e estes deverão fazer tudo o que está ao seu alcance nesse sentido.
Mas também não podemos esquecer a importância de remunerar justamente trabalhadores geralmente tidos por menos qualificados. O contexto de pandemia que vivemos nos últimos anos veio recordar-nos a indispensável função social de profissões habitualmente mal remuneradas: o trabalho agrícola, a limpeza urbana, o apoio doméstico, os cuidados de saúde e a idosos, a ação educativa, o comércio e a restauração, entre outros.
Neste ponto, queremos também reforçar que os baixos valores protocolados pelo Estado com as instituições de solidariedade social pelos serviços prestados levam à manutenção de níveis baixos de remuneração dos seus trabalhadores e ao não reconhecimento da relevância social das suas funções.
É de salientar também o facto de em muitas destas profissões, por não haver mão de obra disponível no país, se recorrer a trabalhadores imigrantes, por vezes através de subcontratações que não garantem os direitos fundamentais destes.
Sabemos como a valorização dos salários dos trabalhadores portugueses em grande medida depende do aumento da produtividade, da capacidade de empresários e trabalhadores reforçarem a produtividade das suas empresas. Mas reconhecemos também que a valorização desses salários depende da decisão de repartição dos rendimentos, da atribuição objetiva de uma maior parcela desses rendimentos aos do trabalho.
Declaramos, em síntese, o empenho das organizações que representamos e de todos os que a elas aderem, trabalhadores e empresários com diversos estatutos e de variadas áreas, em fazer toda a nossa parte para que se concretize aquele que consideramos um desígnio nacional prioritário: que no nosso país aqueles que trabalham possam ter salários que permitam superar a pobreza e promover a realização integral de cada pessoa e de cada família.
Este é um caminho longo e complexo, que queremos iniciar hoje, na primeira pessoa e com a Graça do Espírito Santo, e ao qual convidamos todos a juntarem-se.

 

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