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Crónica: Debita Nostra CLXXI

Luís Costa - 09/09/2021 - 10:29

"Igualmente é sabido que, em matéria de partilha de terras, a venda dos bens nacionais não afetou (…) mais de 2000 famílias, além de que, em grande parte nem venda a dinheiro foi, pois se aceitavam os vales feitos pela Regência em favor das vítimas do miguelismo e dos heróis das guerras liberais” (M. Villaverde Cabral, 1974, “Materiais para a História da Questão Agrária em Portugal …, pp.39).
De tudo o que ficou dito (DEBITA NOSTRA CLXIX) parece difícil sustentar a tese da universalidade do papel económico e político do Estado. E se é de considerar a questão de que essa maior ou menor intervenção possa ter servido idênticos interesses, ainda se levanta uma outra: foi do Estado a iniciativa, ou foram eles a instrumentalizá-lo?!
Assim também com a clássica idealização (A. Smith) das fundações da moeda e do mercado, ao esquecer como elas correspondem à formação do Estado e à manutenção de exércitos que, pela exigência da cobrança de impostos, impuseram uma monetarização das trocas (Graeber, 2011).
O que, aliás, aconteceria ainda entre nós, bem mais tardiamente, aquando da passagem do Antigo Regime para o regime liberal: os impostos, enquanto tais, ‘obrigaram’ à canalização da produção excedente para os mercados (Villaverde Cabral, op. cit., pp.43).
Numa mudança em que a ‘apropriação’ do Estado assumiu um papel decisivo, desde logo, pelas transações ao nível da propriedade fundiária (“bens nacionais”). Mas que coroou toda uma crescente dinâmica económica, com relevante expressão local. O que me trouxe à memória um texto que, há cerca de trinta anos, escrevi sobre Malpica do Tejo.
A navegabilidade do Tejo é muito anterior à fundação da paróquia de S. Domingos (Malpica), já existente em 1646, em cujas “Memórias Paroquiais” (1758) se pode ler:
“Há memória de chegarem a este porto barcos da vila de Abrantes, o que conheceram muitos velhos, e assim haverá 60 anos” …  Acrescentando: “No porto que há deste lugar para a vila de Ferreira, Reino de Castela, e parte do Alentejo só o navega uma bateira”.
Independentemente das diligências oficiais do tenente-coronel Anastácio Rodrigues (1812) para a beneficiar, ela terá tido um uso mais ou menos regular até à inauguração da linha de caminho de ferro. Mas o seu melhoramento, em meados de oitocentos, só chegou até Rodão.
Mais persistente, porém, foi a ligação a Herrera. Nos “agravamentos” às cortes de 1325, que mereceram “carta de benfeitoria”, são os procuradores de Castelo Branco que se queixam do que lhes cobram “as barcas que andam no Tejo, em Rodão e entre Montalvão e Vidigueira e no Porto de Ferreira”.
Num percurso que, já em pleno século XIX, se tornará particularmente útil às multivariadas relações comerciais transfronteiriças, das quais houveram fortuna algumas famílias albicastrenses.
Muito bem empregue, de resto, na compra dos “bens nacionais”!

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