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Debita Nostra LVI

Luìs Costa - 23/02/2017 - 10:48

Entre a emoção e a História, o Presidente americano (…) exortou os americanos a fazerem mais pela democracia, um bem que nunca está adquirido e que exige o compromisso de todos e de cada um. Foi este o grande tema do seu discurso, lembrando aquilo que a corrói, da desigualdade ao racismo, e aquilo que a faz mais forte.” (Teresa de Sousa, PÚBLICO, 12 de Janeiro de 2017).
Talvez a melhor maneira de atear a convicção de que a democracia não é um bem adquirido para sempre seja não só a de lhe apontar os arremedos formais, como a de recordar que ela não é um bem adquirido desde sempre. 
Combatendo também a ideia feita de que nos chegou por dádiva espontânea das “revoluções liberais” que, tendo franqueado as portas ao liberalismo económico, nos teriam igualmente servido o seu generoso reverso: o liberalismo político, vulgo democracia.
Desde logo, haveria que lembrar como a praxis democrática nem sempre resultou de processos revolucionários (DEBITA NOSTRA XXIX). E reavaliar as potencialidades destes,  com a sua inércia, para uma efetiva transformação social que não seja a de ajustar as estruturas políticas a anteriores e mais discretas formas de mudança (DEBITA NOSTRA XXX).
Mas, o que aqui importa sublinhar, é que a afirmação do liberalismo económico, contra as estruturas do Antigo Regime, jamais poderia ter ocorrido sem essa permissiva abertura política, embrião do que hoje chamamos democracia. E que não é certo que a sua procura de legitimação na “vontade popular” significasse, da parte dos seus protagonistas, um raro gesto de altruísmo. E que tal desempenho pudesse aparecer, aos olhos dos contemporâneos, tão desligado dos interesses em presença que os conseguisse deslumbrar. 
Basta olharmos para a história do nosso próprio liberalismo para palparmos os limites da sua inspiração democrática. E como nele as disputas parlamentares, mesmo envolvendo posições mais radicais, como a do setembrismo, se desenvolviam à volta da partilha dos despojos do anterior regime. E como, no seu institucionalizado caciquismo, coagia grotescamente o eleitorado para a obtenção das variantes dos seus sucessos eleitorais.
Assim, quando Carolina Beatriz Ângelo se insinuou nas eleições de 28 de maio de 1911, não representava só “a metade do céu” que delas sempre fora arredada, mas também todos os excluídos por anos e anos de condicionamentos e restrições censitárias. 
A par desta causa, teve o liberalismo, em geral, que confrontar-se com mais de um século de lutas políticas para alterar a sua incipiente postura democrática. E convencer-se de que a conflitualidade política se não esgotava nas rivalidades entre elites e na respetiva representação parlamentar. E concluir que ou toda a conflitualidade social se traduzia em representação política, ou então não se conteria por aí. 
Talvez melhor se possa assim compreender o ceticismo democrático das principais correntes políticas, dos alvores do séc. XX, na sua reação ao liberalismo económico. E como se encontra ameaçada a democracia, hoje suspeita de potenciadora da dívida e dos défices públicos.

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