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Crónica: Debita Nostra XLV

Luís Costa - 22/09/2016 - 11:14

"Os doentes, os velhos e os incapazes são recolhidos em estabelecimentos públicos cujo regime, ao que parece, é perfeitamente conforme com a verdadeira caridade. Daí resulta, segundo o próprio governo wurtemberguês, que a condição dos pobres, e mesmo dos prisioneiros, é preferível à dos trabalhadores livres que não têm para viver senão o seu trabalho.” (tradução livre de Eugène Buret, “De la misère des classes laborieuses en Angleterre et en France, 1840, pp. 290).
A “corrosiva conflitualidade” que marcou todo o séc. XIX e o princípio do séc. XX (DEBITA NOSTRA XLIV) evidencia o equívoco da teoria económica de Adam Smith. Sobretudo o da sua proposição de que “a perfeita liberdade” conduziria a uma maior igualdade, mercê da tendência para o equilíbrio na procura do trabalho e do capital (DEBITA NOSTRA XLII). 
E disso se deram conta, sem grande sucesso, refira-se, muitos dos seus comentadores, pelo menos desde os princípios do séc. XIX. Como Jean Charles de Sismondi nos seus “Nouveau Principes”. De alguma forma também demonstrando que, mais do que de comprovação empírica, do que as teorias económicas carecem, para serem reconhecidas, é da sua conformação com os interesses económicos em pujança.
Discípulo de Sismondi, Eugène Buret reafirmava-o, em 1840, ao dizer que “não é verdade que os interesses dos indivíduos e das classes de indivíduos se equilibrem eles próprios de modo a formar uma harmonia universal, que seria o interesse geral de toda a sociedade” (pp. 17). 
Buret falava sobre uma experiência de pelo menos 60 anos. Mas, nem um período probatório de dois séculos parece ter sido suficiente, pelo menos a ter em conta os desenvolvimentos mais recentes, após o chamado “Consenso de Washington”. E a sua inspiração das “modernas” políticas económicas, generalizadas a partir dos anos 80 do séc. XX.
A sua obra, sendo uma das muitas então publicadas sobre a atualidade, apresenta, porém, uma acrescida vantagem. Não cuida apenas da constatação de que a suposta liberdade, à mercê das muito diversas capacidades (poderes), produz, ao invés de equilíbrios, desastrosos balanços. Como aquele em que “a condição dos pobres, e mesmo dos prisioneiros, é preferível à dos trabalhadores livres que não têm para viver senão o seu trabalho”. 
Incidindo mais especificamente sobre o Reino Unido e a França, não deixa de fazer um apanhado de muito do que, à altura, ia acontecendo por essa Europa fora, apresentando, desde logo, dados sobre a situação vivida na Irlanda, na Bélgica, na Holanda, na Suíça e no reino (Land) alemão de Wurtenberg.
Ou seja, a prova do contraditório, que pretendia apresentar, tinha, apesar dos vários graus de uma incipiente industrialização, não só uma consolidada base temporal, mas também alargados contornos geográficos.
Assim, à “devastação humana”, de que aqui se trata, não falha em extensão, o que parece faltar em intensividade. Mas, para que as aparências se não diluam na extensão e, sobretudo, numa vantajosa ilusão, olhemo-las então com um pouco mais de pormenor. Depois, bem, depois é só fazer as contas! ...

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