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Crónica: Debita Nostra CLXII

Luís Costa - 06/05/2021 - 9:34


Nada do que é humano é perene. Não há motivo para conceder à Democracia o privilégio único da perenidade. (…) Durante algumas décadas, a seguir ao fim da II Guerra Mundial, o regime funcionou. Mas, hoje em dia, lemos a imprensa nacional e sobretudo internacional e deparamos, tanto à esquerda como à direita, com uma desafeição, senão rejeição, relativamente a esta forma de organização política que parecera perfeita.”  (M.ª de Fátima Bonifácio, Público, 05-03-20).
A “desafeição” pela democracia nunca foi apenas nominal e já estava bem presente na ‘preferência’ neoliberal pelos regimes onde trabalham multidões completamente arredadas de quaisquer direitos económicos, sociais e políticos (DEBITA NOSTRA CXLXIX).  Não só porque produzem mais barato, mas porque é essa a condição para que o façam. (Reproduzindo, de resto, o que o veteroliberalismo já anteriormente produzira e divulgara na Europa recém-industrial (DEBITA NOSTRA CLVII)).
E também na vanglória de que, desse modo, se arrancavam tais gentes à extrema indigência, como se as aspirações humanas se pudessem sustentar da mesma ração que a dos seres irracionais. Sem que, de facto, se deixasse de por lá suscitar o aparecimento de novas classes médias, essas sim confirmadas na insinuante ideia de que o ‘progresso’ lhes advinha do sistema ditatorial que as gerou.
Enquanto, a ocidente, se encostavam outras classes médias à parede. Aquelas com que, sobretudo, “durante algumas décadas, a seguir ao fim II Guerra Mundial, o regime (democrático) funcionou”, assim demonstrando quando e como a dita “democracia liberal” o conseguiu ser.
Foi nesse cotejo que estas mesmas foram sendo ameaçadas, nas suas veleidades sociais e políticas (tomando-se a democracia por floral ‘desperdício’). E quantitativa e qualitativamente espremidas, malgrado o exponencial disparo da produtividade (tecnologia), sob o conveniente pretexto de que, naquelas apetecidas longitudes, que partiam quase do zero, é que se produzia e crescia ‘melhor’. 
Deixando à entrada da prometida mobilidade social um ror de candidatos (re)produtivamente escolarizados, mas frustrados, na ‘nova riqueza’ com que se lhes acenou. Infrenes a condenar uma ‘democracia’ apreendida no modo reivindicativo e, bastas vezes, na irrecusável evidência de que ao poder corresponde sempre o privilégio (privu lege), se é que não a rédea-solta para uma naturalizada, mas não democratizável, corrupção.
É neste contexto que importa perscrutar as afeições ao “menos mau” de todos os regimes. Que tanto podem tombar para a ambição dos que o querem a bem cumprir os objetivos com que se instaurou e legitimou, como para o utilitarismo dos que, agora, mesmo rotineiro, já não o veem como veículo das suas próprias ambições.  No entendimento de que, a qualquer dos lados, pode caber o constatado ‘não-privilégio’ da ‘não-perenidade’.
E interpelando, assim, todos os que, de boa-fé, foram associando a liberdade proclamada pelo liberalismo, a uma liberdade ‘espontânea’ que apenas serve a quem já a pode ter.

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