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Crónica: Debita Nostra CLXIV

Luís Costa - 02/06/2021 - 10:05

Em julho do ano passado escrevi um texto provocadoramente intitulado “A realidade é de direita” para constatar aquilo que deveria ser óbvio para todos: o debate político em Portugal laborava (e ainda labora) num equívoco dramático, a que podemos chamar a ideologização da matemática” — nós podemos discutir como se aplica a austeridade, mas a sua aplicação é inevitável dada a situação económica em que nos encontramos e as regras europeias que garantem o nosso financiamento.” (J. M. Tavares, “Pacheco Pereira converteu-se ao TINA”, PÚBLICO, 04-10-16).
Quando aqui se evoca a contrição de Greenspan (Reserva Federal, EUA) sobre o alcance do Mercado; ou a reversão dos seus postulados, face ao surto pandémico com que se confronta essa “economia que (também) mata”, embora de modo mais seletivo (DEBITA NOSTRA CLXIII), a intenção é a de ressalvar-lhe os limites.
Num movimento contrário ao dos que a vieram endeusar, relativizando os ‘sacrifícios humanos’, proclamando-lhes a inevitabilidade (TINA), dispostos a ainda ir mais “além” … Ou, num rasgo de prestidigitação, tentando nela baralhar uma eventual situação de aperto com a ‘real ordem’ das coisas, na pretensão de a justificar.
Só esse gesto explica que se tomem constrangimentos que se queriam ver superados pela sua adoção, numa suposta ‘convertibilidade’. Sobretudo sabendo que o corrente tribalismo se dispõe a variar na razão direta de uma mais ou menos ‘distraída’ ou “provocadora” (des)informação.
Suponhamos que se tratava de uns noivos, surpreendidos pela pandemia, a quem, num emaranhado de razões se tentava convencer da “real” inutilidade do casamento. Que os contactos físicos são desaconselhados; os ajuntamentos proibidos; os gastos se querem controlados; e que tais cerimónias se tornaram supérfluas, já que a felicidade aí está, ao alcance de cada um …
Não. Nem Margareth Tatcher (There Is No Alternative - TINA) se referia a uma situação económica conjuntural. Nem a ‘nova ordem’ que se propunha implantar era a de uma política de circunstância, ou sequer ‘inovadora’. Nem a mais recente sanha punitiva de Wolfgang Schäuble visava a recuperação dos ‘tresmalhados filhos pródigos’ do Sul. Nem os seus serôdios, mas ténues, ‘arrependimentos’ se dispuseram a corrigir os desequilíbrios ‘surpreendentemente encontrados’ na implantação de uma moeda única …
O que só encarece quem se dispôs a vislumbrar que as “regras europeias” não têm que ser a “voz do dono”, ou a invocar ‘pruridos’ democráticos, na sua resiliente aversão a “pensamentos únicos”. É que, por ousado que pareça, a democracia navega exatamente na ideia (não desprezível em tempos de crise) de que é da pluralidade dos olhares que melhor alcança a ‘realidade’. A mesma ideia que fundamenta o mais arreigado posicionamento em defesa de cada uma das nossas convicções. 
De outro modo, atendo-nos ao “que deveria ser óbvio para todos”, corremos o risco de confundir a matemática com as contas do merceeiro…

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