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Crónica: Debita nostra CCXXII

Luís Costa - 16/11/2023 - 9:32

"Yahvé disse-me: ‘Vê, comecei a entregar-te Sião e a sua terra; começa a conquista apoderando-te dela’. Sião saiu ao nosso encontro, com todo o seu povo, em Yahça, para nos combater. Yahvé nosso Deus no-lo entregou e nós o derrotámos, ele, os seus filhos e todo o seu povo. Tomámos, então, todas as suas cidades e anatemizámos cidades inteiras, homens, mulheres e crianças, sem deixar escapar ninguém, exceto o gado que foi o nosso saque, com os despojos das cidades conquistadas. (Dt 2, 31-35).
Em termos de análise não sou muito fã das visões estruturalistas que tendem a replicar a simples abstração com que todos nos confrontamos desde as ‘primeiras letras’: a de que o mundo se divide em dois irredutíveis hemisférios, em que, fatalmente, temos de ser arru(i)mados. Creio mesmo, parafraseando uma velha cantiga, que à força de, assim, discutirmos o farnel já se deve ter perdido muito pão.
E eis-nos agora perante um caso em que apenas dois lados parecem distinguir-se, mas que, no meu entender, dificilmente podem ser aqueles a que uma bicéfala moral tudo reconduz. É que, num deles, vejo desprotegidos israelitas, há pouco massacrados pelo Hamas, juntamente com indefesos palestinianos, hoje ensanduichados entre proibitivos túneis e as aterradoras armas de Israel. E vice-versa.
Certamente que as nossas próprias palavras mal disfarçam uma acesa disputa pela legitimidade, muitas vezes vertida na pueril demanda sobre quem é que começou, em que até se pode confundir toda a Palestina com o próprio terrorismo. Demanda irresolúvel, porém, e que, sem grandes certezas, aqui faço remontar aos seus fundamentos no Deuteronómio e às cruéis batalhas pela “Terra Prometida”, na tentativa de evidenciar quão velha ela é.
Mais pertinente, contudo, me parece ser a tentativa de saber quem é que acaba ou, melhor dito, qual é a possível solução?!
E é aqui que, para lá da incontornável repulsa pelo ato terrorista, se torna indispensável atender ao contexto que o mesmo tende a fazer esquecer. Ou, se quiserem, ter horror ao vazio de décadas de desprezo e humilhação, de ocupação e de apartheid, de acordos violados e de um rol de ignoradas resoluções da ONU, em que os fundamentalismos acabam sempre por se encontrar, arregimentando fiéis e engrossando as hostes contrárias.
É que se tudo se esgotar no terrorismo, a ‘solução’ é a dos terroristas. É que se uns são democracia, enchendo as praças com que contestam Netanyahu, outros podem ter pena, mas não culpa, de não o ser. 
É que se uns foram feitos reféns pelo terror, outros, se não forem expulsos, serão reféns na sua própria casa, ou escudos-humanos, e com guarda à porta pelo vizinho do lado.
É que se uns prezam o valor da morte, outros podem perfazer uma escala com o distinto valor dado às diferentes vidas.

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