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Crónica: Debita nostra CCXXIX

Luís Costa - 22/02/2024 - 10:00

"Há quem confunda mercados sem freios e Estado ausente com economias mais livres e mais prósperas. Na Nova Zelândia, como em muitos outros casos, a liberdade e a prosperidade que chegam por essa via só servem uma minoria e os seus resultados globais deixam muito a desejar. Aprendamos com os exemplos que os nossos antípodas nos oferecem, tanto com as boas práticas como nas falácias do Estado mínimo”. (“Aprender com a Nova Zelândia”, R. Mamede, Público, 15-01-24).
Ser-nos-á difícil de compreender que a um menor pluralismo político possa corresponder um sentido de pertença e representação política como o existente na sociedade singapurense (Debita nostra CCXXVIII). Assim como aceitar o privilégio com que nela se tratam os seus naturais, ou o maior autoritarismo do seu quotidiano (cartazes que publicitam as penas pelos delitos de roubo ou agressão, por exemplo).
Tal corresponde, porém, a um certo entendimento do papel do Estado: na preservação dos equilíbrios sociais (como entre etnias), na irradicação de qualquer corrupção (por geral prejuízo), numa estratégia de crescimento económico (desfazendo no liberalismo).
Muito longe, portanto, da noção de que é do somatório dos projetos individuais que se apura o interesse coletivo. Noção que associamos à liberdade de nos pronunciarmos sobre o comum, mas que nos não dispensa de distinguir o todo da soma das suas partes, nem de perceber como eles facilmente se confundem, face a um desigual poder de persuasão.
Tanto mais quanto, a partir do séc. XVIII, se difundiu a ideia de que a melhor economia é a que resulta de uma libertária prossecução dos interesses particulares. O que, tendo legitimado a solta rédea dos prevalecentes, desguarneceu a demanda pelo interesse comum, deixando-o ao milagroso cuidado de (pres)suposta “mão invisível”.
Minando a própria noção de coletividade, ao corroer os mecanismos que a faziam prevalecer sobre individuais propósitos e tornando-nos prosélitos de um idolátrico ‘culto da individualidade’, reis do reino de um rei que supomos “ter na barriga”. Crentes de que a tal “mão invisível”, agora distraída com outros trabalhos (apesar das sanções, há empresas ocidentais a apetrechar de componentes o armamento russo) viesse cerzir o que nos resta de gregário.
Assim, falido o sentido do comum, e de algo que o deva corporizar, para que nos serviria o Estado? Para estar ausente ou ao serviço dos avulsos promotores da ‘verdadeira’ economia. Ou, por negligente inevitabilidade, para ser ávida e justificadamente capturado, numa calculada demonstração do seu pouco préstimo e abundante prodigalidade.
Acontece, porém, que, na Nova Zelândia, foi este mesmo empreendimento que gerou uma ‘novel’ redistribuição da riqueza que só veio afetar a sua produção (Mamede). E que, em Singapura, foi um outro Estado, e não o mimetismo, que lhe permitiu ganhar vantagem nos desequilíbrios da competição internacional.
Mas é claro que lembrá-lo só pode ser ideologia!

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