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Crónica: Debita Nostra CCXXV

Luís Costa - 28/12/2023 - 9:46

"A investigação clássica desenvolvida por Sachter (1951) descobriu que os membros de um grupo podem deixar de falar com outro membro do mesmo grupo, de comportamentos desviantes, quando ele se recusa a conformar com a norma grupal. Para além disso, os membros do mesmo grupo não o escolhem mais para futuras interações (e alguns agem ativamente para que ele não seja incluído)”. (Tradução livre de Wesselman, E. et al., “The Role of Burden and Deviation in Ostracizing Others”, Journal of Social Psychology, 2015, pp. 484).
Certamente que a prática do ostracismo, que já foi um instrumento de proteção da democracia (Atenas), se pode voltar contra ela se esta se converter num formalismo tal que afaste os cidadãos da capacidade, ou da perceção, de qualquer controlo político sobre as suas vidas. Ignorando que a melhor defesa do sistema democrático não passa tanto por invetivar não democratas, quanto pela democraticidade das suas práticas e pela generalização de uma cultura afim (DEBITA NOSTRA CCXXIV).
E se isto se refere à forma como o próprio poder político se exerce, e ao imediatismo dos meios pelos quais espontaneamente se procura sustentar e reproduzir, também nos há de implicar a todos, enquanto cidadãos, pelo uso que fazemos da cidadania.
Desde logo, contrariando uma instintiva tendência para a preservação, em sociedades que se definem como plurais e abertas, de alguns tiques que remanescem das sociedades tradicionais, pré-democráticas.
Sociedades em que o controlo social seria muto mais apertado e as normas de conduta, mesmo as de cortesia, obedeciam a padrões seguramente mais rígidos que os que caracterizam as sociedades modernas. E as sanções que as (as)seguravam (sendo a do ostracismo a mais pungente, dada a vital dependência dos humanos do seu grupo social) muito mais imediatas e despojadas de toda e qualquer filigrana, como a dos aparelhos jurídicos com que hoje nos protegemos e acobertamos.
Ora, se o poder judiciário, nos seus mais informais processos, nem sempre dispensa, entre nós, o veredito da praça pública, também esta não deixa, por mãos alheias, os seus próprios sancionamentos. Mesmo em domínios em que as normas de cortesia não terão de ser universais e em que as sociedades democráticas se definem, sobretudo, pela liberdade e pelos direitos e garantias dos seus cidadãos.
Refiro-me, por exemplo, ao direito à liberdade de expressão, inimaginável numa sociedade tradicional, onde seria penalizado ou com um feroz ostracismo, ou com sanitária marginalização. Mas que, nas nossas sociedades, é condição indispensável ao exercício da própria democracia, se é que não entendido como a razão de ser da sua vantagem ética e prática (DEBITA NOSTRA CCXX).
Sem que, na impossibilidade de outra censura, nem por isso nos privemos de a sancionar com o que mais temos à mão: ou “deixando de falar” ou com bem mais irregulares “amuos”?! 

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