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Crónica: Debita nostra CCXXVI

Luís Costa - 11/01/2024 - 9:43

"A democracia liberal está a perder as suas bases sociais de representação política devido a causas profundas como as pessoas se sentirem totalmente excluídas de qualquer processo de decisão, à exceção de colocarem o seu voto numa caixa uma vez em cada quatro anos. À exceção disso, elas não têm qualquer outro meio de representação política ou qualquer controlo. Como tal, o que é que fazem? Quando podem, protestam. Quando conseguem, apoiam partidos que se colocam fora do sistema para, então, entrarem no sistema.” (Manuel Castells, Público, 23 de julho de 2023).
Mesmo que o ostracismo tenha funcionado como meio de proteção da democracia ateniense, parece que é por igual exclusão que as democracias hoje mais se encontram ameaçadas. Sobretudo na medida em que a generalidade das pessoas se sente afastada de qualquer capacidade de decisão política sobre o que às suas vidas diz respeito (Debita nostra CXXIV e CCXXV).
E se isso não pode deixar de questionar-nos quanto ao fatalismo com que se assumem os desequilíbrios da atual (des)ordem económica mundial e o que tal implica de definhamento dos mais relevantes processos democráticos de decisão, também não deverá impedir-nos de um olhar mais atento sobre o espaço democrático remanescente.
É que, em conformidade, este também pode ter vindo a privar-nos de significativos poderes de decisão sobre as opções do nosso quotidiano (cidadania), sempre que a democracia se foi convertendo num mero ritual, em formalismos de precário ou ilusório empoderamento.
Tanto mais quanto o próprio procedimento democrático se tem vindo a entender como uma fórmula abstrata, universalmente replicável, e não como um mecanismo concreto de regulação das relações de poder. Mais preocupado com o domínio das praxes que lhe dão acesso do que com um seu efetivo controle.
Ora, o poder exerce-se não só pela capacidade em se adquirir, como também pela possibilidade de se manter e reproduzir, fundamentalmente, lubrificando a relação de dependência que dele mantém o comum dos mortais. Ou seja, o poder precisa que se dele precise, sob pena de deixar de ser poder. Daí o seu persistente empenho em ocupar-se de tudo o que possa ser posto de observação e controle, por menor que seja, mesmo que para lá das correspondentes benesses. 
E até pode acontecer que tal gratificação nem resulte tanto das prebendas, que, por definição, lhe competem, quanto da degustação, ou salivação por tal desempenho. Sendo que, em última instância, até lhe serão indiferentes quaisquer mais ínvios processos de que beneficie, já que lhe basta ser reconhecido, ou invocado, para que tudo ‘naturalmente’ lhe venha a caber.
Mas falhando o pleno dos três articuláveis pilares tradicionalmente apontados como sustentáculo da distinção social: o poder (político); o rendimento económico e o prestígio social (Max Weber). E, consequentemente, um indiscutível manejo do processo de representação política.

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