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Crónica: Debita Nostra CLIV

Luís Costa - 14/01/2021 - 9:44

Persistem hoje no mundo inúmeras formas de injustiça, alimentadas por visões antropológicas redutivas e por um modelo económico fundado no lucro, que não hesita em explorar, descartar e até matar o homem”. (Francisco, Fratelli Tutti, pp. 6-7). (Solidariedade) “é pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É também lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a negação dos direitos sociais e laborais.” (pp. 31).
Creio que não é agora difícil identificar as componentes explosivas que, no âmbito da ideologia liberal, originaram os “danos colaterais” da Revolução Industrial, no maior ‘massacre’ de que há notícia, no nosso contexto geopolítico. E como este suscitou as pro(res)postas revolucionárias de muitas das convulsões políticas, até os nossos dias, que merecem ser estudadas tanto nas suas causas, quanto nas suas consequências.
Uma dessas componentes é a mirrada “visão antropológica” presente no atual ‘culto da individualidade’. O qual, na sua hegemonia, percorre todo um esbatido de convicções que culminam na exemplar proclamação de Margareth Tatcher de que “a sociedade não existe” (DEBITA NOSTRA CXXXVIII).
Ora, separado o “indivíduo” das suas ‘circunstâncias’, este fica isolado no apuramento das faculdades que o distinguiriam dos demais. E entregue àquela ‘sofisticada’ ideia de liberdade que, por abstrata, apenas trata dos que já detêm as decisivas condições para o seu exercício, agora mais legitimados pela suposta outorga de uma liberdade universal. 
Só que, tudo dependendo do “indivíduo”, tudo também lhe pode ser assacado. E os que não podem são os que não merecem. Os mesmos que, convenientemente amassados com casos de efetiva perdularidade, hão de servir de pretexto para que se “culpe a vítima”. Tanto mais quanto esta, participando do vulgar consenso ou ávida de uma geral aceitação, lhe vista a pele, seguindo à risca o guião que há de condenar. 
É claro que tal esquema mental pode não seguir esta linearidade, nem ser tão detetável como nas sociedades pós-coloniais, como a dos EUA. Mais propícia que as do ‘velho’ continente à “descompressão espacial”, a mobilidade (american dream) pôde nela ser tanto mais efetiva quanto maior o estigma dos ‘perdedores’ (losers). O que torna certas derrotas algo de doentiamente insuportável…
Mas o que se concebe como um agregado de trajetórias individuais, também dificilmente é avaliado pelo seu todo. Enfatizam-se os casos que melhor servem a lógica global e, simultaneamente, salientam-se os ‘efeitos benéficos’ que deixa, como se só possíveis na obediência à mesma lógica.
E se isto faz lembrar o argumento que sustenta as mais ‘famosas’ praxes académicas, que seriam ‘indispensáveis’ à integração dos incautos “caloiros”, também, como nelas, confere tal resiliência ao sistema que o preserva perante a reincidência dos seus “efeitos perversos”.

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