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Crónica: Debita Nostra CLV

Luís Costa - 28/01/2021 - 9:37

"De um lado a omnipotência: uma fação que, senhora absoluta da indústria e do comércio, torce o curso das riquezas e faz correr para o seu lado todos os mananciais; fação que aliás tem na sua mão mais de um motor da administração pública. Do outro a fraqueza na indigência: uma multidão com a alma dilacerada, sempre pronta para a desordem.” (Leão XIII, Rerum Novarum).
A resiliência da ideologia liberal, apesar de reincidente nos seus “efeitos perversos” (DEBITA NOSTRA, CLIV), também se deve à forma mais ingénua ou menos inocente como vai articulando o que se distingue como “liberalismo económico” e “liberalismo político”. Ainda que alertada, desde as origens (Hobbes, 1651), para as colossais implicações regulatórias do primeiro (Leviatã).
E é aqui que importa situar a controversa relação que mantém com o Estado (que nada deve ao anarquismo), a começar, na rutura com o Antigo Regime, pela da incontroversa fundação do Estado de direito.
A recusa da sociedade aristocrática, nas suas características, haveria de quase necessariamente passar pela afirmação do primado da norma, da “igualdade perante a lei”. Esta, esgotando todo o proclamado ideal de igualdade, asseguraria o enquadramento necessário ao regular funcionamento do mercado. Sendo a regra a de uma fluída competição (“laissez faire, laisser passer”) cuja eficácia dependia da eficiência e sobriedade de um ‘polícia-sinaleiro’.
Só que este Estado-mínimo, na sua deliberada indiferença aos desequilíbrios de partida, cedo se revelou como o Estado dos não-direitos das multidões que acorreram à ‘açougaria’ da “Questão Social”. E como foi difícil o apelo ao Estado dos-seus-direitos, por tímido que fosse!  Já quando os liberais de Manchester ridicularizavam os académicos alemães pela ‘extraordinária’ conclusão de que “a absoluta liberdade deixada a interesses individuais parcialmente rivais e de poder desigual não garante o bem da comunidade” (manifesto de Eisenach, 1872). Já quando a “Rerum Novarum” (1891) veio interpelar as mais enleadas das consciências contemporâneas.
Assim estavam as coisas quando os poderes públicos ‘preferiram’ avançar, no máximo da sua capacidade militar, para a disputa do lastro de mercado e fonte de matérias-primas que eram as colónias (1.ª Grande Guerra). Ou se obrigaram mesmo a intervir quando, nas sequelas desta e de uma Grande Depressão (de ‘pais incógnitos’), apareceram os nacionalismos, populismos e autoritarismos em que a reação à ‘liberalidade’ é contumaz.
Só após a 2.ª Guerra Mundial, e dentro do ‘prazo de validade’ da ameaça comunista, é que o ocidente se voltou para a democracia social em que os liberais de Tatcher e Reagan encontraram o suficiente pano para desancar. Até “ao estado a que isto chegou”!
Mas, os mesmos princípios que norteavam a (con)corrência individual tinham definitivamente extravasado para as fronteiras do Estado-nação. Não creio é que o liberalismo seja muito original nesta sua preferência pelo Estado que melhor serve os correspondentes interesses.

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