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Crónica: Debita Nostra CLXIII

Luís Costa - 20/05/2021 - 9:45

Nenhum destes pressupostos é adquirido, e uma das coisas que o ‘economês’ da troika fez foi atacá-los. Atacou a democracia, subordinando-a um determinado tipo de política económica e social apresentado como sendo a “realidade” que não se podia mudar. É difícil imaginar melhor forma de autoritarismo do que chamar para o seu lado a ‘realidade’”. (Pacheco Pereira, Público, 17-03-2018).
Lendo, há dias, alguns textos do séc. XIX, impressionou-me o afinco com que neles se invocava a ‘realidade’. Como a dos Morgados, cujo aniquilamento se deveria não só a “um rancor revolucionário” (liberal), mas também a “uns potentados ambiciosos, que desejavam a propriedade desvinculada”. 
Ou os inconvenientes da democracia, em que “o mérito, o talento, a dignidade são quantidades desprezíveis na aritmética do sufrágio, o que tanto bastava para eliminar de uma vez esta perniciosa anormalidade social”. Neste caso, antecipando mesmo o ‘realismo’ de alguns mais recentes argumentos, desprezada que esteja a criação das condições da liberdade.
A grande questão, porém, será sempre a da fácil articulação entre “realidade” e “autoritarismo” (até morfologicamente traduzível por “realismo”). Mas perscrutando, agora, se só o “autoritarismo” avoca a “realidade” ou se também a “realidade” “chama para o seu lado” o “autoritarismo”.
Ou seja, se o “real”, dentro da redoma definida pelos limites do alcance humano, não se ajeita, ele próprio, com irrecusável lógica, a tornar-se exclusivo e arrogante, na sua relação com o impensável’.  (Numa coerência que jamais fará de um esquimó, ignorante dos tropicalismos, um potencial defensor do uso das tangas). Situação que sendo geral, ao tornar-se evidente, há de particularmente afetar os que detêm a capacidade de ditar a moda.
E é aqui que a “realidade” se cruza com a mais ou menos democratizada gestão do poder e com o “autoritarismo”. E que o “realismo” pode ser tanto mais autoritário quanto mais hegemónico, já que, ao calcular “dentro da caixa”, traz sempre consigo a garantia de dar ‘certo’.
Assim com a economia. Ciência a quem coube tratar do cuidado na satisfação das necessidades humanas, num dado contexto de escassez de recursos. Mas que não escapa, talvez com outro mérito que as demais ciências sociais, à comum atração por se converter em ‘econominha’. 
E nem é preciso atender a todo o acumulado leque das ditas necessidades (Maslow) para se constatar a estrita ‘localização’ dos seus incontornáveis instrumentos de medida, como o Produto Interno Bruto (PIB), na limitada ambição dos seus indicadores.
Ou para, só após as crises (como a financeira de 2008), vir a admitir que se “enganou” sobre a racionalidade do mercado (Greenspan). Ou a desmascarar-se das ‘inquestionáveis certezas’ que um ‘mascarante’ vírus tão facilmente relativizou.
Talvez por ser muito mais ‘democrático’, na sua pandemia, do que a “economia que (também) mata”, na sua endémica vocação para uma ‘prestimosa’ concentração do rendimento.

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