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Crónica: Debita Nostra CLXIX

Luís Costa - 12/08/2021 - 10:10

Falam de servidão, quando, na realidade, se trata apenas de tornar extensiva aos demais a liberdade adquirida de que eles próprios gozam. Num primeiro momento (…) reduzindo também a sua liberdade, de modo a tornar mais elevado o nível da liberdade existente no conjunto do país. Mas tal transformação, redefinição e extensão das liberdades não justifica que se afirme que as novas condições serão necessariamente menos livres do que as anteriores.” (K. Polanyi, 1944, A Grande Transformação).
É bem possível que, assegurando embora o regular funcionamento das suas instituições, a democracia atravesse períodos em que representa algum “sufoco”, suscitando mesmo o ‘desapego’ (DEBITA NOSTRA CLXVIII) de certos setores em que se firmava.
As sociedades democráticas não deixam de ser sistemas de correlação de forças (poderes) pelo simples facto de serem reconhecidas como a mais apurada forma de os gerir. Como lembra Polaniy, a aquisição de direitos não se faz em abstrato, mas envolve um ‘reposicionamento’ dos diferentes grupos sociais, implicando, muitas vezes, a intervenção do poder público (Estado).
De resto, as revoluções liberais, cujo projeto era o de um Estado-mínimo que agilizasse os fluxos económicos emergentes, não o fizeram sitiando o Estado, mas tomando-o, a favor de mais gentis condições. Nem, no seu desenvolvimento, alguma vez ousaram menosprezar um Estado que lhes fosse de feição (DEBITA NOSTRA CLV).
A questão é sempre a da ‘inclinação’ do Estado e a da gestão da “autonomia relativa” que, no procedimento democrático, as funções de árbitro lhe conferem. Como também a da maior ou menor necessidade de regular o frequente desenfreio daquela dinâmica económica, de cujos previsíveis desenlaces, de Hobbbes (1651) a Polanyi (1944), já muitos se ocuparam.
Passando por Weber que no protestantismo radical (comunidades de base) viu tanto a sua recém-adquirida legitimação quanto o seu circunscrito controle. Sem que a crença na predestinação lhe tenha permitido libertar ao ‘pobres’ do rol dos condenados.
Sugerindo, de qualquer modo, a hipótese de que, ao contrário do que ditam as estabelecidas cartilhas, o receituário sobre ausência/presença do Estado não tenha que ser universal. Como de resto não o foi na emergência do capitalismo (despotismo esclarecido/capitalismo asiático). Na sua pujança económica. Na formação de mais ou menos ‘liberais’ clientelas.
Do que não parecem ficar dúvidas é de que o ‘tamanho’ do nosso Estado, nas suas diferenças (de Bismarck ao Modelo Social Europeu), é um ‘produto’ do liberalismo, pelo menos no mesmo sentido em que o “politicamente correto” está na origem aos “trumpismos”.
O mesmo Estado em que um “tipo-ideal” de organização (Weber), a burocracia, passou de ex-libris do Estado-de-direito (a impessoalidade do papel para evitar a pessoalidade das decisões) ao seu ostensivo, mas muito desigual, emperramento.
E porque será que foi, sobretudo entre nós, que a burocracia cresceu em papel sem que tenha diminuído na discricionariedade?
Luís Costa

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