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Crónica: Debita Nostra CLXVIII

Luís Costa - 29/07/2021 - 10:50

O obstinado apego à austeridade de líderes europeus essenciais, não obstante todas as evidências em contrário, era verdadeiramente frustrante. Porém, (…), a situação na Europa não me tirava o sono à noite, coisa que mudou em fevereiro de 2010, quando uma crise da dívida soberana grega ameaçou desmantelar a União Europeia e me deixou a mim e à minha equipa para a economia a batalhar para evitar outra ronda de pânico financeiro global.” (B. Obama, 2020, “Uma terra Prometida”, pp. 592).
O exercício democrático de defesa das nossas convicções não nos desobriga de prevenir qualquer atração pelo “pensamento único” ou pela denegação de alternativas (DEBITA NOSTRA CLXIV). É que, “não obstante todas as evidências em contrário”, elas tenderão sempre, numa ou noutra escala, a entrar-nos pela janela.
Mas, sobretudo, obriga-nos à ponderação dos valores com que pretendemos legitimar-nos e que, em democracia, apesar da reconhecida diversidade dos interesses e de um galopante culto da individualidade, continuam a ser os da prossecução de um “bem-comum”.
Não está em causa que nos dividamos quanto ao caminho para lá chegar, mas que não nos empenhemos no dever de o demonstrar, com os (re)(dis)cursos de que, a cada momento, possamos dispor. 
E se outras estratégias nos parecem negligenciar a gestão dos recursos disponíveis, isso não nos permite a tal pretexto, invocando o “realismo”, trocar melhores fins pelo tacticismo dos nossos mais convenientes meios. Acelerando o processo de descredibilização da democracia que, nas dores da ‘popularidade’, aparenta já não servir à corelação de forças de que se ‘sustentava’. Prestando-se, assim, à insinuação de “sufocante”, enquanto não proscrita como supérflua.
É que se, em abstrato, ninguém deseja impor ‘sacrifícios’, também ninguém visa reduzir a produção de riqueza. Pelo que, no desejável equilíbrio entre despesas e receitas, mal se percebe esta simetria entre o tudo-pelo-Estado e o nada-pelo-Estado, como se das respetivas demonstrações não restassem já provas sobejas. 
Particularmente, o corrente desenfreio fiscal e o ‘caldo-de-cultura’ de que se sustenta. Pela assumida normalização da legitimidade, se não da sageza, de ‘contornar’ os impostos. Mesmo que, por ‘natural’ primazia, bastas vezes reivindique o melhor da omelete, desde que não tenha de pôr os ovos.
Pelo que tal pode significar de abertura ao empreendimento saloio e a alguma criminalidade? Por reedição do histórico “fartar vilanagem” que só a “ética protestante” credibilizou (Weber)? Pela moderna voracidade económica que só a urgente intervenção do Estado controlou? Por instigação das sucessivas crises que só a ‘redescoberta’ do “lado-da-procura” amainou? Pela financeirização de uma ‘economia’ que ‘em jogos de casino’ se viciou? Pela crescente concentração do rendimento que não tem por uso terminar bem (Piketty)? Certamente!
Mas, sobretudo, pela perda de qualquer sentido gregário. Pela ‘deslumbrante’ contradição de que é do investimento no ‘individualismo’ que, por exaustão, há de resultar uma reflexa ‘solidariedade’!

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