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Debita Nostra LVII

Luís Costa - 16/03/2017 - 10:35

Para a Alemanha dos princípios do séc. XX o liberalismo era personificado pela Inglaterra, e a sua avassaladora gesta colonial, com que dificilmente poderia concorrer.

Vocês têm, em Sombart, na verdade desde os anos 1900, essa crítica (…) da sociedade de massas, sociedade do homem unidimensional, sociedade da autoridade, sociedade de consumo, sociedade do espetáculo, etc. (…) Foi isso, aliás, que os nazis fizeram seu. Foi em oposição a essa destruição da sociedade pela economia e pelo Estado (capitalista) que os nazis se propuseram fazer o que queriam fazer. (M. Foucault, Nascimento da Biopolítica, Curso no Collège de France, 1978-1979, p. 155).
Não se pode dizer que as principais correntes políticas que, no início do séc. XX, se organizaram em reação ao liberalismo económico, se tenham também deslumbrado ou sequer rendido ao liberalismo político. Assim, ao rejeitarem a estilização parlamentar do conflito social, exorcizaram-no através de processos assumidamente repressivos, embora sob diversas formas e em diferentes graus.
E é aqui que, na linha de Weber, talvez importe fazer, a propósito do nacionalismo conservador, a distinção entre os países de dominância católica, do sul da Europa, onde vingaram as teses corporativas, e os de predomínio protestante, no centro europeu.
Já vimos como na tradição luterana se estabelecia uma separação entre os verdadeiros cristãos e “os fracos”, a quem se reservava a repressão do poder temporal. E como, para o protestantismo radical, na tradição velho-testamentária, o sucesso refletia o “estado de graça” a que estava predestinado ao povo eleito. Vimos também como tais reminiscências se terão projetado sobre as atuais relações entre os europeus (DEBITA NOSTRA XXVII). Tentemos agora projetá-las sobre a sua reação política aos desmandos do liberalismo económico.
Para a Alemanha dos princípios do séc. XX o liberalismo era personificado pela Inglaterra, e a sua avassaladora gesta colonial, com que dificilmente poderia concorrer. Adotaria assim uma política protecionista e de consolidação da precária unidade nacional, para a qual a extrema conflitualidade, que o liberalismo induzia, não deixava de representar uma ameaça.
Por outro lado, a sua lenta industrialização fora desde sempre modelada pela intervenção do Estado, de que o conservadorismo autoritário de Bismarck e a sua pioneira proteção social foram a principal expressão. Predominantemente luterana, não deixava também de acolher a influência da ética calvinista e da sua crença na predestinação.
Terminado o conflito (1918) em que aventureiramente se lançou, saiu-lhe o orgulho maculado pela derrota e pelas suas não menos humilhantes compensações. A economia estava de rastos, a dependência financeira tornara-se insuportável e a inflação galopante. A República de Weimar não passava de um “Estado falhado” em que grupos de ressabiados, como os Freikorps, faziam “justiça” pelas suas próprias mãos.
Refugia-se então no reduto do nacionalismo, contempla-se no distorcido espelho da superioridade ariana e volta-se contra o “outro” que lhe recusa os devaneios ou que, na dureza do quotidiano, lhe evoca o garrote financeiro e a indiferença dos apátridas. A hora é de exaltação nacional a qualquer pretexto. E ele surge na pessoa de um inconformista inflamado que reedita o conhecido refrão: a Alemanha primeiro (Deutchland über alles).

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