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Debita Nostra XXXI

Luís Costa - 25/02/2016 - 11:30

“Para falar claro, há duas maneiras de ficar rico: criar riqueza ou tirá-la aos outros. A primeira soma, a segunda subtrai, porque quando se tira riqueza também se destrói. Um monopolista que encarece o seu produto tira dinheiro aos que o pagam e, ao mesmo tempo, destrói valor. Para garantir o preço, tem que restringir a produção.” (Tradução livre de J. Stiglitz – Prémio Nóbel da Economia 2001 - “The Price of Inequality: How Today's Divided Society Endangers Our Future”).

Iniciaram-se estas minhas reflexões a propósito de um documento datado de 1915 com que, numa das nossas aldeias, se contratualizara um empréstimo sem juros. Ora, por essa data e aquelas bandas, já então corria o caso da Ti Ofélia (a ser este o nome). Certo dia, viu-se a senhora impelida a alargar os horizontes, participando na merenda que a paróquia organizara a cerca de três léguas de distância. Extenuada, apesar de meio caminho feito em carro de bois, parece que à chegada não resistiu a exclamar: “Como o mundo é grande”!

A estória, passada de geração em geração, não chegaria aos nossos dias se toda a vizinhança não partilhasse já, embora ainda longe da “descompressão espacial” com que a emigração a haveria de brindar, uma outra ideia de distância. Serve, porém, para ilustrar o que aqui me traz: a importância da noção de escala no olhar com que marcamos a realidade que nos cerca.

Quando, ainda há dois séculos, o dia de quinze ou dezasseis horas de trabalho não chegava aos operários para lhes reverter a miséria, também lhes não faltavam conselhos para que fossem comedidos e não gastassem o salário nas tabernas. A recomendação era boa, só que lhe faltava estatura para ousar o necessário/improvável: a mudança dos preços dos produtos, do nível dos salários e, é claro, da extensão da jornada.

Vem isto a propósito do tema destas crónicas (dívidas) e do pouco que sobre elas se falou. Ao invés, muito se disse de como a sua história se confunde com a da própria humanidade (Greaber). E de como elas se inserem no contexto de uma economia “que mata” (Francisco) e em que 1% da população aufere mais do que os restantes 99% (Oxfam), numa acumulação que, com alguns intervalos, tem sido há trezentos anos progressiva (Piketty).

A que acrescentaria agora um desafio (para os mais afoitos que eu nos subtis meandros da economia): o que resulta da única declarada discordância do nobel Stiglitz (F. Gulbenkian, 01-12-15) em relação Piketty, nesta distinção que faz entre rendimento e riqueza.

"Quando, ainda há dois séculos, o dia de quinze ou dezasseis horas de trabalho não chegava aos operários para lhes reverter a miséria, também lhes não faltavam conselhos para que fossem comedidos e não gastassem o salário nas tabernas"

Quando se emite moeda, o “ligar das impressoras” resolve problemas de liquidez, mas gera inflação (desvalorização), na medida em que para uma unidade de riqueza passa a haver mais unidades de moeda em circulação. Ora, tendo o sistema financeiro posto dinheiro a gerar dinheiro, ao ponto de já ultrapassar em mais de 5% o volume da economia real, porque é que o seu rendimento não desvaloriza? Será que as dívidas, com os “ajustamentos” de que sobretudo se oneram os mais fracos, permitem a correspondente transferência de riqueza?

E quanto dela se resguarda nos 60.000 milhares de milhões de dólares que andam pela “banca sombra” (Financial Times,27-10-11) à margem de qualquer fiscalidade?! Temos mesmo que falar de regulação!

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