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Debita Nostra XXXVII

Luís Costa - 19/05/2016 - 7:30

“Perante um associado que se havia retirado dos negócios e que o aconselhou a fazer outro tanto, dado já ter ganho o suficiente e querer deixar que outros ganhassem também, Jakob Fugger classificou isso de ‘pusilânime’ retorquindo que ‘ele (Fugger) tinha uma perspetiva totalmente diferente; queria ganhar enquanto pudesse’.” (M. Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”).

A referência a John Locke ajudou a perceber a animosidade do liberalismo nascente em relação ao Estado, já que este, ainda Reino, supunha a sustentação, com os seus impostos, de uma camada social parasitária e adversa à formação do novo tipo de propriedade, a que resultava de um inédito empreendedorismo.

 E tal relutância, como veremos a propósito de David Hume e Adam Smith, não se circunscreveria ao pagamento de impostos, já que os novos interesses também cedo se aperceberam da ameaça que constituía a dívida pública. Em particular, pela tendência que esta manifestava para “tomar o freio nos dentes”, sobretudo nas sociedades mais vinculadas a procedimentos democráticos.

Porém, não convém passar por J. Locke sem deixar de sublinhar como ele assinala uma significativa mudança em termos históricos, também ela de efeitos (irre)freáveis: a da inversão do ónus do desperdício. Embora assuma, como as sociedades tradicionais, que desperdício é o que se acumula para além do que se pode utilizar, reconhece que o dinheiro permite alargar o prazo de validade do utilizável (DEBITA NOSTRA XXXVI), abrindo a porta a que, assim, desperdício passe a ser não acumular tudo o que se possa.

E isto não é mudança pouca. Desde logo porque sustenta uma nova conceção social da natureza do dinheiro e a aceitação de que dinheiro possa gerar dinheiro, o que, até aí, desde Aristóteles e passando por Tomás de Aquino, era algo de contra natura (DEBITA NOSTRA, XI, XII e XIII). Depois, porque introduz um novo critério moral, com decisivas repercussões em termos do relacionamento social, com a correspondente tradução linguística: ganhar menos passou a ser sinónimo de perder.

E, é claro, desencadeando uma (desen)freada fuga para a frente, não tanto pela atitude de Fugger em querer “ganhar enquanto pudesse”, mas pela de não ser “pusilânime” na competitividade e querer ganhar quanto pudesse, ao ponto de não “deixar que os outros ganhassem também”. E fomentando um tal acervo de dívidas sociais que teve o Estado social(mente) de intervir, mais tarde, para de alguma forma as poder compensar.

Ora, quando há dias o governador do Banco de Portugal veio afirmar que a banca portuguesa perderia 700 milhões de euros, se se mantivesse o indexante da taxa Euribor, o que queria exatamente dizer? Que a banca não acede ela própria a juros negativos? Que perderia as suas comissões bancárias? Ou que ganharia menos com a amortização das respetivas dívidas?!

Importa esclarecê-lo. Não porque não se queira um sistema financeiro saudável. Mas porque, depois do que por ele se tem exigido aos contribuintes, já começa a ser insalubre que se não julguem os responsáveis ou sequer se ache o rasto de tantos milhares de milhões perdidos!

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