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Digressões Interiores: Assim corre a vida, nas voltas que a vida dá…

João Lourenço Roque - 30/06/2022 - 8:00

Portugal caminha a passos largos para um envelhecimento acentuado, particularmente grave e dramático em territórios da longa faixa interior.

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Crónica de junho de 2022

Portugal caminha a passos largos para um envelhecimento acentuado, particularmente grave e dramático em territórios da longa faixa interior. De acordo com os Censos de 2021, por cada 100 jovens no País há 182 idosos. Contam-se 2,1 milhões de pessoas com mais de 65 anos… Não se sabe como e quando sairemos destes desequilíbrios e abismos. Em panorama tão sombrio, mais garrida, esperançosa e importante se torna a onda de estrangeiros que por todo o lado vemos e ouvimos. Alguns só de visita, mas outros bem enraizados entre nós. Desde há séculos espalhados e misturados pelo mundo fora, os portugueses sabem como retribuir, acolhendo pessoas das mais diversas origens e condições. Bom é afirmarmo-nos como país aberto, solidário e multicultural. Quem diria que no nosso antigo e pequeno Portugal cabe – ou pode caber – o “mundo todo”. Não falo apenas das grandes cidades; em muitas aldeias do interior, os estrangeiros, sobretudo ingleses, tendem a predominar e alguns dos portugueses que restam passam horas de dicionário na mão, na mira e na vaidade de comunicarem em inglês, mais ou menos “fluente” ou “arranhado”. Há até quem rejubile só de entrar nos cafés e pedir “beer”, em vez de cerveja. Longe ficaram os tempos e as conversas da “bière”.

Digo isto sem qualquer azedume, mas com alguma pena e saudade porque desde menino do liceu que me encantei com a língua francesa. Sem esquecer que, enquanto professor universitário, muitas das minhas aulas de “História Moderna e Contemporânea” se centravam na França do “Ancien Régime” e da Revolução.

Tempos houve em que adorava canções e filmes italianos, seduzido pela beleza e sensualidade de cantoras e actrizes inesquecíveis. Talvez por isso, gostaria de falar italiano com a tua ligeireza, com o teu desembaraço e encantamento. Exímia no francês e apaixonada pela “cidade luz”, ainda há poucos anos fazias figura de parisiense, elegante e sedutora. Agora, com tantas idas a Itália, passas cada vez mais por romana – “romana bellíssima”, “romana vera”. Diferentes são as minhas viagens e os meus regressos. Habituado a ficar em terra e perto de casa, tornei-me num sarzedense “legítimo”, fixado no campanário da vila e acantonado em rotinas, ladainhas e inquietações desmedidas. Caminhante sem caminho, agarrei-me à escrita e viajo nas palavras que me prendem e libertam. Nas palavras que me dizem ou afastam. Perdi-me e encontrei-me nas histórias que me contam ou invento.

e tentações artísticas nunca eu tivera, mas, nos últimos tempos, por necessidade e distracção, “artista manual” me tornei. Um “grande artista”, acho eu. Se duvidam, espreitem de longe o Vale dos Cavalos e contemplem a original, vistosa e complexa “instalação” – de cariz tradicional e “modernista” – que engendrei na minha horta, na tentativa de afastar os javalis. Já me lembrei de promover visitas guiadas, diurnas e nocturnas – estas gratuitas e com direito a pequenas lembranças – que talvez sejam o melhor remédio e a única maneira (para quem não é caçador) de salvar as melancias, os tomates, as curgetes, as uvas e as cebolas, que tantas canseiras me dão e tantas recordações e tardes me trazem, à beira do poço da nora ou na sombra das laranjeiras. Só de falar nisto, quase desato a chorar. Assim corre a vida, nas voltas que a vida dá…Saio de cena e do contexto para erguer uma palavra de grande pesar pela morte do Doutor Mário Mesquita. Personalidade admirável, inspiradora, livre, respeitada, que tive o privilégio de conhecer em algumas das melhores páginas da vida universitária, ligadas à criação da Licenciatura em Jornalismo na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Não tarda aí o dia 8 de Junho. Não sei que palavras e mensagens virão. Algumas não param de chegar. Algumas como esta, outra vez de Castelo Branco mas com raízes em Coimbra: “No espaço de todas as nuvens visíveis e invisíveis deste céu de Junho, ando por onde estiveres e sei da inutilidade dos meus abraços à tua alma em pena. Mas abraço-te”. De tanto sentir, já nem sei o que sinto. Gostava de ouvir de novo aquela espantosa cantiga de José Afonso: “O Cavaleiro e o Anjo”.

COMENTÁRIOS

JMarques
à muito tempo atrás
De nómada a sedentário, um pequeno passo.
Beatriz Menezes
à muito tempo atrás
Variados temas , não esquecendo a sua guia amorosa, mais viajada que o próprio, profissionalmente. O estilo é sempre versátil . Bem-haja.