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Digressões Interiores: Com pouco me contento

João Lourenço Roque - 04/08/2016 - 11:52

Gosto imenso do “interior”, deste interior português de que muitos políticos falam e poucos verdadeiramente conhecem. Adoro a Beira Baixa, a minha “primeira pátria” e certamente a última… Sou um paladino do desenvolvimento económico e social, harmonioso sem degradação do património histórico e ambiental.

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Gosto imenso do “interior”, deste interior português de que muitos políticos falam e poucos verdadeiramente conhecem. Adoro a Beira Baixa, a minha “primeira pátria” e certamente a última… Sou um paladino do desenvolvimento económico e social, harmonioso sem degradação do património histórico e ambiental. Não me incluo entre os numerosos desiludidos com o cancelamento do projecto da barragem do Alvito que nele depositavam fundas esperanças, provavelmente vãs ou exageradas - acrescento eu na minha santa ignorância. Aliás, o que não falta em pontos diversos são exemplos de barragens que pouco ou nada fizeram pelo desenvolvimento regional e bem-estar das populações locais. Com todo o respeito pelas opiniões e sentimentos contrários , direi que para mim foi uma boa notícia. Prefiro este rio vivo, primitivo e selvagem, livre de correr modorrento ou apressado ao encontro de outros rios e de outros mares. É certo que o rio já não é o rio que corria na minha infância, porque o tempo e o desleixo arrasaram açudes, peguias e moinhos, mas ainda guarda – e guardará sempre – encantos e surpresas sem fim. Agora que a “barragem foi por água abaixo”, talvez tenha chegado a hora de redescobrir e reinventar de outras maneiras o rio Ocreza e o meio envolvente, pródigos em potencialidades turísticas, desportivas, sociais e culturais. Entre os “calvenses” também houve divisões. Alguns dizem-se do meu lado sem quaisquer rodeios, outros nem por isso, por causa dos “cobres” que receberiam pelos terrenos alagados ou porque gostavam de ver a barragem a encher.
Parto para outras realidades ou ficções. Nos Calvos e redondezas há pessoas que se assustam por tudo e por nada. Basta aparecer um carro desconhecido para de imediato se levantar um coro de suspeitas e lamentações. Alguns moradores menos timoratos tentam à socapa, meio escondidos, anotar as matrículas para o que der e vier, outros fecham-se em casa coados de medo. A meu ver, medo infundado porque a nossa aldeia, ao contrário de outras povoações, não enfrenta problemas sérios de insegurança ou ameaças fortes de “ladroagem”. É certo que a “milícia popular” se encontra praticamente desactivada por falta de comando e de apoio logístico, com o desaparecimento das parelhas e carroças, mas os “gémeos” quando aparecem impõem muito respeito e facilmente afugentam ou deitam as mãos a qualquer meliante. Além disso, o primo Ernesto, nas temporadas que aqui passa, está sempre pronto e com a motorizada operacional para acudir a qualquer emergência. Se a coisa desse para o torto, também o “corpo de reservistas” da marinha rapidamente entraria em campo. Mesmo eu, embora a idade não perdoe, continuo alistado na “protecção civil” e a Ti Maria Augusta já me disse várias vezes que lhe basta ver o meu carro para se sentir mais “fouta”. Todavia, será justo reconhecer que a segurança dos Calvos muito deve ao “regimento de cavalaria” das Benquerenças (que defende as fronteiras do Moinho do Pisco e da Foz da Líria) e mais ainda à “guarda avançada” das Teixugueiras que, além de contar com sentinelas vigilantes e patrulheiros bem treinados, dispõe, graças aos cientistas e aos engenheiros da terra, de algum equipamento moderno e sofisticado, incluindo “drones “ e um radar (no lagar da Taipa), para vigiar o movimento rodoviário, conforme se assinala no “site” das Teixugueiras na internet. Por tudo isto e muito mais, contou-me o primo Zé – ou seria o primo Armindo? – que estão preparados para tudo e nada receiam. Se for preciso, encomendam mais forquilhas  e roçadouras e até metralhadoras a um traficante de leste… Incertos são os sonhos e as vontades que acalentamos. Ainda não foi desta que cumpri a promessa de voltar à romaria de Nossa Senhora da Saúde no Padrão, rememorando a única vez em que lá fui, a pé, ainda criança na companhia dos meus pais, do meu irmão e de alguns vizinhos. De entre as pequenas recordações dessa primeira peregrinação avultam algumas brincadeiras e peripécias da jornada - em especial o castigo que foi desatolar o burro que, com a dona a cavalo, se atolara a quatro patas no sítio das Fozes -, o cabaz novo da minha mãe com saborosa e farta merenda, a multidão de devotos, dentro e fora da igreja, a imagem de Nossa Senhora… Não me lembro se já sabia rezar… Nem era preciso, os meus queridos pais pediam e agradeciam por todos nós. Ainda não foi desta… Será que iremos a tempo no próximo ano? Não sei que teima nos tolhe os passos que queríamos dar. Com desculpas vãs adiamos mais isto e mais aquilo nas últimas etapas da vida. Adiamos, adiamos até não haver mais nada para adiar…
Gosto imenso da nossa vila, da vila de Sarzedas, mas custa-me passar por lá, por razões claras ou escondidas, antigas ou recentes. Ultimamente, atravesso aquelas ruas como quem atravessa um deserto. Portas e janelas fechadas. Em vez de pessoas, o que mais avisto são anúncios de casas à venda… Vende-se o passado e o futuro. Do termo nem bom é falar. Magoa-me ver o nosso território indefinido e despovoado. Entre outras medidas, conviria atrair mais estrangeiros à procura de paraísos perdidos e acolher de braços abertos parte dos “refugiados” que vierem para Portugal.
Não sei que mais caminhos inventar e percorrer. Fazes-me falta em tantos sítios e pensamentos, aqui tão longe nas manhãs desencontradas. Aqui, onde mais parece que todos os dias nascemos e morremos. Com pouco me contento… Outros rostos, rostos jovens, nas ruas de Castelo Branco. Outras palavras nas tardes que eram nossas. Um fado novo na voz da Ana Moura. Um livro aberto, à sombra de uma árvore no próximo Verão. Em Maio passado, aquele encontro, o teu olhar, na feira medieval.

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