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Digressões Interiores: Doçuras e mistérios dos Vilares de Cima

João Lourenço Roque - 09/03/2023 - 10:14

Raramente envio mensagens, mas recebo-as a toda a hora. Mensagens de aliciamento consumista, alertando-me para artigos em promoção e descontos imperdíveis.

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Raramente envio mensagens, mas recebo-as a toda a hora. Mensagens de aliciamento consumista, alertando-me para artigos em promoção e descontos imperdíveis. Ou mensagens amigas e sentimentais, vindas de pessoas – cada vez mais raras – que se preocupam comigo e que adivinham e respeitam a tristeza que carrego até ao fim. Por meias palavras, ou em confissões abertas, revelam quanto me querem e lhes custa não me encontrarem. Às vezes respondo e tento retribuir, prometendo aparecer em qualquer manhã desconhecida ou nas tardes que tão tarde vieram… Mas, quase sempre, são promessas adiadas. Mais certo é apagar as mensagens – salvo as mais expressivas e intimistas que guardo no coração ou aproveito nas minhas crónicas -, fazer-me de novas, ficar em mim e seguir os conselhos de quem me diz e insiste: “cuida de ti…”. Então solto as forças que ainda sinto e prossigo nas rotinas e viagens habituais, entre o campo e a cidade. Mesmo nas aldeias não faltam boas novidades e surpresas. Vivemos perto, vivemos quase juntos, mas, se viramos costas a tudo e não falamos abertamente, passam-nos ao lado pequenas ou grandes maravilhas. Só agora me garantiram que nesta região o melhor mel, os melhores “bolos fintos” (ou “adubedos”) e as melhores filhós são dos Vilares de Cima, que tantas vezes atravesso. Já iniciei pesquisas para identificar as donas de tão deliciosos mimos, altamente premiados em concursos nacionais e internacionais. Mal o consiga, não deixarei de lhes bater à porta ou enviar recados, a pedir-lhes que se lembrem de mim nas ofertas ou nos “leilões” dessas doçuras tão gabadas. Quem me alertou não quis adiantar nomes, talvez já escaldado e farto de saber quão atrevido e lambareiro eu sou, mas presumo que se trate de gente nossa, à beira da estrada. Quem diria que os Vilares de Cima e de Baixo – terras de que tanto gosto, desde menino – tanta fama alcançariam! Desde aqui até ao Brasil… Tempos houve em que também no pão e no vinho se distinguiam. 
Má coisa nas aldeias são as moscas que nos obrigam a fechar portas e janelas. Antigamente desapareciam com o frio e a chuva, mas nos dias que correm nem no inverno nos largam. Mais um sinal, entendo eu, das famigeradas alterações climáticas! Fechar portas e janelas talvez não perturbe alguns vizinhos, mas eu e uma das minhas gatinhas – a Mia – dificilmente suportamos semelhante clausura. Por feitio e hábitos de vadiagem – decorrentes do gosto e da alegria de “viver na rua” -, perdemos o tino em compartimentos trancados. Recordo que, nos meus tempos de professor universitário, mantinha sempre aberta a porta do meu gabinete. Assim mais livre me achava e, além de olhar os livros, podia olhar e atrair quem no corredor passasse. Caso único, motivador de brincadeiras, a exemplo de uma colega que dizia: “Parece o São Bento da Porta Aberta…”. Nas aldeias também se levantam e comentam “casos” e “casinhos”, dentro e fora da “bolha mediática”, mas pior que tudo são outras notícias que agora repetidamente nos chegam. Notícias de funerais… Notícias esperadas ou inesperadas que mais assustam e envelhecem quem velho já é. A mim, o que mais me choca e magoa é a partida súbita de gente nova. Aconteceu com o primo Filipe José, em meados de Janeiro. Outro destino dramático, que nos comove e deixa sem palavras. Outra desgraça na família e na “casa grande” das Teixugueiras. Se pudermos deixemos isso, assente na memória e na saudade. Uma semana depois chegou a hora da prima Adelaide, nos silêncios da sua casa na Silveira dos Figos. Nem sei que dizer. Tantas páginas e lembranças na sua vida de 88 anos. Lembranças dali e do seu Sobrainho da Ribeira, lembranças de Coimbra. Nas lágrimas da despedida, outra vez Coimbra a despedir-se… Gostámos muito de rever e ouvir o Senhor Padre Neto que, fiel aos laços e sentimentos de grande amizade, voltou às Sarzedas para participar nas exéquias. Má coisa é a solidão, na alma e no pensamento. Juntemo-nos, em antigas e boas conversas, nas ruas e nos caminhos que ainda são nossos, nossos desde pequeninos. E, se formos a Castelo Branco, talvez nos deem doces nos Vilares de Cima e nos convidem para excursões, lindos passeios e bons almoços em Oleiros, na Sertã, em Proença-a-Nova, na Sobreira Formosa, na Catraia, na Lameirinha, no Salgueiro do Campo, em Penamacor, no Fundão e em tantos sítios mais. Regalos simples e requintados.
Pouca sorte, a dos idosos. Quanto mais precisamos de sol, mais o sol nos falta. Não entendo o povo. Quando me queixo do frio, em vez de me agasalharem ou de me chamarem para o pé do lume, despacham-me com a sentença habitual: É tempo dele… Há meses que os ribeiros correm e que as “barragens” encheram. Pode ser que no próximo Verão voltemos às fadigas e à alegria de regar e fazer por horta. Um ano mais, mas sempre um dia de cada vez.
João Lourenço Roque

 

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