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Digressões Interiores: Linguagem de antigamente - 7

João Lourenço Roque - 15/09/2022 - 8:00

Após longos meses de afastamento, deu-me para alongar em novo capítulo a meada das palavras, sonoridades e expressões usadas e moldadas na vida quotidiana de antigamente.

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Após longos meses de afastamento, deu-me para alongar em novo capítulo a meada das palavras, sonoridades e expressões usadas e moldadas na vida quotidiana de antigamente. Modos de comunicar e de ser que, em boa parte, chegaram aos dias de hoje. Desta vez rebusquei os elementos seguintes: Abalar (ir-se embora), adraço (contratempo, situação difícil ou embaraçosa), agrazner (conversar e desconversar alto, de modo pouco claro, insistente e exaltado), ah catrina! / ah conho! (formas de aplaudir com admiração ou de manifestar impaciência e grande irritação – “ah conho, que bela mulher!”; “ah conho, já não estou em mim com tanta demora, eu à espera d’ajuda pra sigurer os burros e carregar o carro e tu ao paleio c’aquela limbina!”), alegar (conversar), aliviedo (aliviado), amassuqédo (amassado), andar à babuge (andar à espera de algo sem trabalho), apanhar uma pilota (ser enganado, prejudicado), apuznher (apalpar com força), ar búzio (céu algo embrulhado, nublado), arranjar com (casar com fulana ou fulano), às atenças dos outros (à espera, exagerada ou em vão, de ajuda alheia), atarrafier (pescar com tarrafa), atchocalhar (tocar os chocalhos, fazer barulho com alfaias domésticas), atchôrentar (causar choro, especialmente de crianças). Balouras (pessoa dita atrasada, desconsiderada, rebaixada, alvo e vítima da troça e do maldizer da vizinhança), bardedo (vidrado),bela tchinpa (forma de apoucar coisas, feitos ou bens próprios ou alheios), bigote (bigode), breda (vereda). Capitão de bredas (pastor), carcafundas (sítios medonhos e quase inacessíveis), contcha (concha), cotchino (porco), cruger (chuviscar ligeiramente), cruginho (chuva escassa e miudinha), cudedo (cuidado). Da proposto (propositadamente), dar-lhe cûnfia (dar atenção e confiança a quem não merece e que, assim, mais atrevido se torna – “deste-lhe cûnfia, agora arranja-te…”), dar-se ao relaxo (tornar-se mandrião, descuidado; desinteressar-se e afastar-se do estilo e empenho da vida habitual), darrgir-se (dirigir-se), descabeçar o sono (dormir uns instantes para aliviar o cansaço e a sonolência), desmamado (criança ou cria animal tirada do aleitamento materno; indivíduo desiludido, enganado, surpreso, decepcionado –“pinsava ele que tinha ali uma princesa, mas ela depressa o desmamou…”), dlida (desfeita, muito cozida, cansada, gasta –“o meu home só gosta da sopa com a hortaliça bem dlida”; “farto-me de trabalhar noite e dia, ando mesmo dlida”), dzingonçado (torto, inclinado, deselegante no porte e no andar), dzorelhado (rebaixado, murcho, cabisbaixo, envergonhado –“foi pró valho às atenças de passar a noite coela, mas ela deu-lhe tantas tampas e tamanha descompostura q’ele já nem sabia onde se meter, veio da festa mai dzorelhado…”). Escabouqueréda (envelhecida, deformada – “primeiro metia vista, mas agora está mesmo escabouqueréda e estleda…”), escaldadiço (indivíduo que não aguenta comida quente), escaldeirer (ogar a horta com caldeiros de água tirada do poço, à picota ou à corda), escapintar-se (salvar-se, sobreviver – “pus uma galinha a tchocar, nasceram dez pintainhos, mas só s’escapintaram dois ou três…”), escravnher (escrever pouco e mal), esgalhoumédo (mal ajeitado), espatruquer (acasalar com grande agitação e barulheira), está na empa (no ponto certo), estleda (muito magra), estorvilho (estorvo, empecilho), estrômer-se (reabir uma ferida quase sarada). Fartéda (fritada), fazer boca (comer alguma coisa – por exemplo azeitonas ou um pedaço de queijo – para melhor saborear e aguentar copos de vinho), flosa (ave ou rapariga muito pequena), folégo (fôlego – “amargulhei tanto no rio pa trer os peixes que fiquei sin folégo”), frangamou (tolo), furdas (pocilgas, restos de pelos na cara com a barba mal feita). Galhordas (terrenos e caminhos agrestes e irregulares, de difícil e complicada passagem), gamanha (coisa mal feita), gaspátcho (gaspacho), gonga (atrasada), goutcha (mulher curvada), grães (grãos). Há-des mas pagar (ameaça de vingança). Imbacelado (pisado, ferido), imbeiceda (apaixonada) imbonado (amuado), imborcar (emborcar), imbruchédo (embruxado), impalastrado (adoentado, ferido, com ligaduras e cintas no corpo), imparar (amparar), ingalfnhédos (agarrados um ao outro, luta corpo a corpo), ingibre (gengiva – “os dentes não me apoguentam com comida dura porque são postiços, as ingibres é que me ralam e doem”), inguento (unguento), intchamócido (doente, com gripe forte), intchourcedo (muito zangado). Já cá faltava aquela increnca (expressão de desagrado pela chegada de alguém mal visto e metediço…), já hoje fui buscar sete caminhos, ou carregos, de água (ir à fonte sete vezes). Lá se foi o ganho (lamento por qualquer incidente, perda ou prejuízo inesperado), levas um soquete (levas um murro), limbino (atrevido, desavergonhado). Malga bardeda (malga vidrada), minóculos (binóculos) mlancia insueda (melancia mal amadurecida e pouco ou nada gostosa – “o meu home colhe as mlancias ca parra já seca e ó despois queixa-se de serem insuedas”), mlhem (milhã), molancanha (muito mole), moleireda (família de moleiros), morrer à míngua (morrer ao abandono, com falta de tudo). No centro do meio (mesmo no centro), non se dá rzão de ninguém (não se ouve nem se vê ninguém), nos entromeios (nos intervalos). Oh q’imbalde! (forma de apontar, diminuir e desconsiderar alguém), olha aqueles tamém já estão à parte (separados – forma de censurar um casal que deixou de viver em comum). Palheireco (palheiro pequeno, acanhado), palhusco (erva rasteira e seca), panegar (sofrer até morrer), passa mole (pessoa molengona – “dantes a nha mulher passava-me à frente a ceifer centeio ou trigo, a malhar o milho, a roçar e a carregar mato, a bem dzer ó quai em tudo; darrepente mais parece uma passa mole…”), pcanuco (muito pequeno). Qual é a sua graça? (como se chama?), que estcharrabaço (dano inesperado e avultado). Rasteirer (rasteirar), resgo (procura/saída matrimonial – “no meu tempo as moças daquela terra tinham pouco resgo…”), retoucer (brincar, saltar, correr, etc.). Sanoco (sem rabo), sarrafusca (confusão, luta, zanga), sbelho (restos, sobejo – “o meu home se sobrava comida do almoço, ninguém lha desse à ceia, sbelhos nem vê-los…”) sigurer (segurar), sin cudedo ninhum (sem nenhum cuidado, imprudente, desmazelado), singria (sangria), su (sua – “gostava tanto daquela rapariga que todas as noites fazia por passar à su porta”). Tanganheiro (homem muito alto), tempo incaceiperedo (tempo húmido, encoberto), terreno fornagueiro (terreno seco e quente), Tintonho (Ti António), todo intchapucedo (todo molhado, encharcado de água da chuva), tomar cûnfia (ganhar confiança a mais, tornar-se atrevido). Um pinguelho (um resto, no fundo). Vai non vai, às levezinhas, trou-me a manta, acordei intanguido com frio). Zorra (pessoa muito lenta, vagarosa).

Por hoje, concluo mais estas passadas linguísticas, históricas e culturais por terras e heranças de Sarzedas e da Beira Baixa. Tarde que seja, gostaria de aqui voltar. Encontrar-te de novo nos caminhos e nas vozes dos nossos antepassados, dentro e fora de portas. Escutar até ao fim os tocadores e as tocadoras de realejos, violas beiroas, adufes e concertinas. Mais ainda, seguir na dança, seguir na roda e ouvir-te cantar o “chapéu preto”, o “resineiro engraçado”, a “amora madura”, “quando eu era pequenino”, o “São Domingos” e a “Senhora do Almurtão”… Tarde que seja, se vieres em visita ou de passagem hei-de receber-te à boa maneira de antigamente: Queres do meu pão? Queres do meu vinho?

 

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