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Digressões Interiores: Linguagem de antigamente - 8

João Lourenço Roque - 16/06/2023 - 18:00

Agora que cada vez mais pessoas vão ao sabor da corrente, levadas pela “moda do inglês”, teimo eu em remar contra os novos ventos e marés, agarrando-me à “linguagem e à cultura da oralidade” dos nossos antepassados beirões.

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João Lourenço Roque

Agora que cada vez mais pessoas vão ao sabor da corrente, levadas pela “moda do inglês”, teimo eu em remar contra os novos ventos e marés, agarrando-me à “linguagem e à cultura da oralidade” dos nossos antepassados beirões. Hoje, uma vez mais, trago ao de cima termos e expressões que com alguma frequência ainda oiço e que na minha juventude me soavam a cada passo em pequenas e grandes conversas. Nesta nova edição, a oitava, levanto e registo os seguintes contributos:

(limpar-se), ametade (metade), amzede (amizade), andar à torreira do sol (caminhar e/ou trabalhar pela força do calor, sem lenço ou chapéu na cabeça), andar ou passar os dias apaixonada (em grande tristeza – “desde que soube da doença do meu filho, ando mesmo apaixonada, com o meu coração mai negro q’a noite”), areucas de sal (sal em pequeníssima quantidade – “dantes deiteva sal às mantcheias, mas, desde q’ouvi dzer q’o sal é um vneno, já só ponho umas areucas na comida”), assolheiro (soalheiro, sítio abrigado e batido pelo sol, refúgio das moças namoradeiras para conversas próprias da idade ou dos velhos em dias de muito frio), atão estás tão bem proparado e escofado, co fato dos domingos, vais-te a ver delas? (modo irónico ou brincalhão de perguntar a um solteirão se vai à procura das raparigas e de namoradas nos bailes de outras aldeias), atão já estás de cajado na mão e de sarroa às costas, vais-te a ver da cabrada? (modo de perguntar ao pastor se já ia tirar o rebanho), atão vais-te a ver das motchas? (“então vais tratar das cabras?” – se fosse finória e brincalhona, a pessoa inquirida poderia responder: “…das motchas e das cornudas”), atataranhado (embaraçado, desorientado, sem saber como enfrentar problemas e dificuldades). Botcháda (barriga grande, ventre e intestinos de um animal morto, em geral cabra ou ovelha). Caraiveiro (amigo de caraiva, pessoa muito dada a estar de companhia e ao paleio), cardozanas (alguns membros mais legítimos e típicos da família dos Cardosas), c’mé dado (muito, bastante, conforme pertence – “trabalhei e comi c’mé dado”, “promeiro inda fez sol mas ó despois choveu c’mé dado”, “passámos a noite toda a dançar agarradinhos c’mé dado”), cocegas (cócegas – “non aguento que me façam cocegas na barriga ou nos pés…”), chuvenesquer (chuviscar). Da barriga puxa o boi (conforme o trato, a alimentação do animal, assim será a sua força e resistência no trabalho), da formiga ao doutor tudo come do lavrador (costumava dizer um homem das Teixugueiras…), dar mão (deixar-se apanhar ou agarrar –“o meu burro, farto de boa vida, partiu o cabresto e fugiu-me; oh q’inferno, oh q’estucha, passei horas atrás dele, a correr e a assoprar lomba acima lomba abaixo, non aparceu ninguém pó atalhar, vi-me aflito até me dar mão”), destro (habilidoso, experiente), deve ser fresca! (expressão de censura relativamente ao comportamento de algumas mulheres – “aquela anda metida ora com um ora com outro, deve ser fresca!”). Escaldarrapo (onda de frio – “este ano as hortas prometem, se não vier algum escaldarrapo dos lados da serra e de Castelo Branco”), escofado (limpo, bem vestido), esmordaçar (estragar ou tirar pedaços – “o diabo do cão introu-me em casa e esmordaçou-me o pão todo”, “os corvos ou os gaios non saem da macieira e esmordaçam-me as maçãs inda verdes”), estar à pena última (meter dó, definhar de dia para dia – “com o tempo tão seco e um calor desmandado, as oliveiras estavam à pena última, a azeitona era só caroço, o que valeu foram as chuvadas d’oitubro, inda dizem que non há Deus!”). Fazer companha (companhia, acompanhar – “Ó Rosa…, fazes tão boa companha, non queres ir comigo à vila? Ora, ó Ti Maria, bem que eu gostava e ia a gente de conversa no nosso passo, mas hoje non tenho pra lá caminho…”), festo (jeito, desalinho – “o meu cabelo toma uns festos, vejo-me perdida pra me pintiar”), firmento (fermento), fazer a forvida ou tratar da forvida (preparar a ceia); forver (ferver, exaltar-se, perder a paciência). Impesguedo (avariado, desconsertado, parado, incapaz de trabalhar), ingelha (ruga, vinco), ingelheda (mulher com muitas rugas ou roupa mal passada a ferro, amarrotada), ingelher a testa (reagir com desagrado e má vontade a uma situação, a um pedido ou a uma ordem – “disse-lhe pra ir ajuder-me a prinder os burros e a labrar a tapada, calou-se e pôs-se a ingelher a testa”), ir de companha (ir de companhia). Limbida (lambida), língua afieda e comprida (pessoa dada a mexericos, boatos, discórdias – “davamo-nos todas munto bem, mas aquela língua afieda só descansou quando nos pôs de candeias às avessas”). Mãos impezlhedas (ocupadas, cheias, incapazes de apanhar ou segurar alguma coisa mais), matchorras (cabras que não parem), meter róina (acirrar os ânimos, criar ou acentuar desavenças – “eu e o meu primo eramos como irmãos, mas aquele fraca roupa, com ditos e mais ditos a um e a outro, sempre a meter róina, fez com que a gente agora nem se fale”). Nome reberso (difícil de pronunciar e de fixar – “alguns pais e padrinhos põem nomes tão rebersos às crienças q’a gente mal consegue dzer e tchamar”), non te rales q’isso fica ó meu incarrego (não te preocupes que eu trato desse assunto). Ó cousa… (forma simples e amistosa de chamar alguma amiga ou vizinha sem dizer o nome – “ó cousa…já vistes que aquando fui pa fazer o queijo dei com o leite azedo…arre q’arrelia eu apanhei!”), o raminho da aldeia (a moça mais prendada e formosa da aldeia – “havia outras tamém lindas e aprumedas, mas ninhuma que se chegasse ó pé dela…era um regalo vê-la e ouvi-la a ler e a cantar”), oh que bela seba! (expressão depreciativa aplicável a pessoas, a comida, a tarefas complicadas, etc. Por exemplo: “aquela já andou de mão em mão, com tantos namorados, está mai batida, oh que bela seba!” – “à ceia deram-nos feijões pequenos, meio ingrolados e tão mal adubedos q’o azeite nim se via, oh que bela seba!, se fosse hoje ia tudo pó focinho dos cães…” – “mandei ceifer o feno e pô-lo às poveias pa secar ó sol, armou-se um espojinho e zambalhou-me tudo, quem é que o há-de ajunter, oh que bela seba! e logo pra mim q’ando queimeda com sorviço”), oh que marmelo! (indivíduo atrevido, enganador, fanfarrão, mal conceituado), ordnhar-lhe a carteira (esmifrar, caçar o dinheiro – “aquele pascoal pinsava q’ela o aceiteva por carinho, amzede e amor, mas o interessse dela era a conta dele na Caixa…anda que lhe deixou a carteira bem ordnhada…”), os carros forviam pa San Domingos (muitos carros acelerados em direcção a São Domingos). Pintiar (pentear), plingatcheiro (modo provocatório de chamar os naturais das Benquerenças e arredores, na margem esquerda do rio Ocreza, que retribuíam chamando cortelhões aos do outro lado do rio), punhéda (pancada, geralmente leve, com a mão). Salpqédo (salpicado), sarroa (saco ou sacola, em couro, para levar a merenda), sarroada (grande quantidade – sarroada de laranjas, de maçãs, de peixes, etc.), só lhe puxeva pa dar (pessoa muito daimosa – “aquela santinha só lhe puxeva pa dar, fosse azeite, fossem batatas, fossem ovos, fossem peras ou marcotos, ninguém que passasse à su porta vinha c’as mãos a abanar”). Tchapeireda d’água (aguaceiro forte, água atirada de propósito, com uma vasilha, para cima de alguém – “aquele sarrnoso especou-se ali no meio da rua ó quai à nha porta, sempre a arrançozar, fartei-me daquela muzca, peguei num caldeiro da pcota e atrei-lhe ma tchapeireda d’água, anda que ficou bem imbogado, esqueceu-lhe a volta), tchisga ( pequena quantidade, quase nada –“ o meu vinho era bom, fui boendo e dando, já só tenho ma tchisga no fundo do pipo”), ter porte (ter habilidade e engenho –“faziam pouco do meu genro, mas ele apanhou a raposa no galnheiro, tomaram os mais ter o porte dele”), trazer as cabras na adua (guardar os rebanhos em conjunto, repartindo os dias consoante o número de cabeças de gado). Vrer (virar) a barriga à caiada ou vrer a barriga da perna (faltar à palavra e aos compromissos – “ofarceu-me bom dnheiro plos pnheiros, ó despois vrou a barriga…e disse-me que já só me dava ametade”). Xarengo (tocado pelo vinho). Zambalhar (espalhar, revoltear, estragar).

Nem é tarde nem é cedo, dou por encerrado o oitavo capítulo. Quem sabe se novos capítulos virão. Ao menos, embora carregado de dúvidas, espero que me acompanhem e entendam. Nas palavras que dantes corriam e dizíamos mais sentia a boa companha que me fazias. Íamos de conversa em conversa em qualquer caminho e destino. Agora, tudo parece perdido e desencontrado. As mais das vezes, já nem sei pra onde tenho caminho. Ainda ontem me aconteceu…

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JMarques
No ano passado
É-me familiar.