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Digressões Interiores: Talvez em Castelo Branco, na Senhora de Mércoles

João Lourenço Roque (Maio 2022) - 26/05/2022 - 18:30

Chegaram-me sinais, ainda que vagos, de que apreciaste as escolhas poéticas que ilustraram a crónica anterior.

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Chegaram-me sinais, ainda que vagos, de que apreciaste as escolhas poéticas que ilustraram a crónica anterior. Aproveito a maré para voltar em mais um momento aos Filhos Raianos (de Luís Aguiar): “as mulheres deitam-se no centeio/ dançam, dançam no sopro desta vila/ na violenta dor do seu sangue/ as mulheres respiram pele lume sobreiros/ e hão-de abrir, ao mundo, as mãos/ o choro – os filhos do rasgado ventre.” Mal regressei dos adufes, dos clamores e das paixões de Idanha, logo descobri (no Público, de 21/3/2022) este poema de Adília Lopes: “Não quero morrer, quero brincar. /Estou contente, deixo-me estar/ acordada.” De surpresa em surpresa, acordo eu em mais uma mensagem desconhecida: “Cantam com dançares as andorinhas. Só elas voltam…E eu abraço-te”. Passam e ficam as palavras. Abraças-me longe. Passas nos meus olhos, mas não te vejo. Vêm e vão os dias assinalados no calendário litúrgico e nas memórias familiares, sem que eu me aperceba. Às vezes ainda tento, mas acabo por desistir de alcançar o passado e o futuro. Não sei que fazer, não sei onde me esperas e chamas. Talvez em Castelo Branco, num dos eventos mais marcantes da cidade e da região – a Senhora de Mércoles. Romaria inesquecível, mas que “esquecida” ficava se não fosse o “alerta” do “Reconquista” …

Fui às Sarzedas no “Domingo de Ramos”, uma das raras solenidades que ainda me atraem e reconduzem ao imaginário da minha infância e aos mistérios de Jerusalém. Pareceu-me que estavas lá, mesmo ao meu lado, na bênção dos ramos, mas não te encontrei. Nem consegui encontrar-me, ao dar-me conta de tantas ausências e de que nada era – nem podia ser – como dantes. Voltei a casa mergulhado em silêncios e recordações. Ninguém sabe, ninguém me diz onde tocam as filarmónicas e os sinos da nossa terra. Aqueles sinos e aquelas vozes que tocavam dentro de nós, dentro de mim…Fui às Sarzedas no “Domingo de Ramos” …Ninguém a pé e alegre na estrada e nos caminhos da vila, nos caminhos da vida! Apenas alguns carros, quase cheios ou quase vazios de pessoas. Rostos de ontem, rostos de hoje. Vozes e sinais de fé, agora e sempre. No domingo seguinte, alguém se lembrou de enviar-me esta mensagem: “Fez-se sol para as Páscoas! Onde vais? Que pensas tu quando os sinos gritam aleluias? Abraça-me.” Mensagem a que não respondi, nem saberia que responder. Ando perdido e ninguém sabe ou me diz em que sítios ainda se avista a felicidade…

Entrámos em Maio, maduro maio. A 30 de Abril – dia de “Lua Nova” -, passei horas e horas afadigado em sementeiras no Vale dos Cavalos, mas não me esqueci do aniversário do Xavier e do “ramo das maias” na porta de casa, antes do por do sol. Por certo estranharás que ainda não tenha falado dos tortulhos e do cuco da ribeira… Mas não é caso para isso. Pouco ou nada teria para dizer. O cuco, sem avisar, mais cedo veio e cantou. Já os tortulhos, em boa verdade, nem tarde nem cedo, tão contrário o tempo correu. Mesmo assim, ainda achei coisa que se visse. Deu para algumas boas refeições em família e para matar desejos a alguns amigos. Em ano de manifesta escassez, a maior surpresa foi a bela copa que achei à beira de um caminho longo e cuja fotografia o Zé Pedro pôs a circular no Facebook, no site “Os amigos dos Calvos”. Dos Calvos sou eu, mas parece que deixei de ter amigos. Terra estranha, mais estranha a minha vida!

De pouco já servem as minhas digressões. É tarde, muito tarde, para mudar de vida. Se pudesse, de bom grado o faria. À semelhança dos jovens que, fartos do turbilhão e dos engodos das grandes cidades, partem para outros sonhos, encantos e desafios no “país interior”. Hoje, a minha admiração e o meu apreço seguem direitinhos para aqueles que se aventuraram na vida de pastores na Serra da Estrela.

Ando meio perdido e desencantado. Não sei o que faria sem as minhas árvores e as minhas hortas que me aproximam dos meus antepassados e da vida antiga. Sem o meu burro que me leva onde quero ou julgo ir, em curtas ou longas distâncias. Sem as minhas caminhadas e peregrinações solitárias por montes e vales que tanto alento e paz me dão. Mais me alentam e encantam a tua companhia e os teus abraços. Preciosas são as mensagens de pessoas amigas e autênticas, cada vez mais raras. Mensagens que são abraços de coragem e compaixão. Entre elas, as mensagens da Miquelina e do Alexandre. Todos os meses, sempre no dia 8…Dia - no mês de Junho – atravessado no tempo que me resta e no coro das vozes magoadas…Entrámos em Maio e na lembrança, esbatida ou fervorosa, das antigas romarias da Beira Baixa. Aqui, ainda somos todos ucranianos e europeus…Em Maio, serenatas de Coimbra. Saudades tuas, saudades minhas…

COMENTÁRIOS

MARIA BEATRIZ
à muito tempo atrás
Esta crónica tem o seu tempo marcado, mas irradia a profunda tristeza do autor. Nada mais era de esperar, saliento o estilo sempre com contornos originais.
JMarques
à muito tempo atrás
Profundidade, saudade, nostalgia, mistério e enigmático.