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Do princípio do bom senso

Paula Custódio Reis - 18/02/2021 - 9:51

Trabalho num instituto público há mais de duas décadas e, em início de carreira, tive um processo de formação de seis meses, que serviu para aprender sobre programas e medidas, matérias comportamentais e conceitos abrangentes.
Um dos conceitos abrangentes era o do «princípio do bom senso». Este princípio aplica-se a diversas encruzilhadas na vida profissional: quando a lei é omissa e não nos dá a decisão, quando a situação determina uma escolha, quando nos surgem as situações novas que nos fazem parar e pensar e não agir automaticamente.
Como funciona? Simples: perante uma situação para a qual não temos resposta, consultamos as leis e regulamentos que se aplicam. Se temos dúvidas perguntamos a um especialista na matéria, a um superior hierárquico ou a um colega que já tenha resolvido situação idêntica. E assim se vai construindo e solidificando uma postura que vai ao encontro daquilo que se chama o Espírito da Lei. 
É sob este princípio que teremos a livre escolha de decidir os gestos quotidianos. Ter um princípio de empatia e humanismo, mas perceber que a Lei existe para ser igual para todos.
«E se uma velhinha nos quiser dar uma cesta de laranjas?» 
«Tu é que decides. Mas não te esqueças que mesmo que as distribuas por quem delas precisa, ela só sabe que tu aceitaste» respondia o formador, colega de profissão, com mais anos de prática do que nós.
«Não podemos julgar o comportamento de mil pessoas pelo comportamento de uma delas». Verdade. Mas o que vem a público é sempre a exceção. E o descrédito tem vindo a minar a imagem das organizações que são o garante da vida em democracia, com consequências visíveis no encolher de ombros dos moderados que se tornaram descrentes e omissos na hora de votar e participar.
Do lado da administração pública, todos os servidores públicos são alvos de tentações, que vão desde envelopes e refeições pagas ou esquemas fraudulentos que retiram muito dinheiro ao Estado.
E também é por causa das escolhas de cada um dos seus agentes que a máquina do Estado se tem burocratizado cada vez mais. A cada nova «falha» do sistema que permite desvios, uma nova regra, mais um procedimento, menos agilidade. Há cada vez menos matéria para decidir com bom senso.
Quem perde? Perde o cidadão, o empresário, o decisor, o trabalhador público. Só ganha quem faz disso vida, procurando ou criando as brechas legislativas.
Resumindo, ganham uns poucos para muitos perderem. 
A «imensa maioria silenciosa» está cada vez mais silenciosa. Pergunto-me se esse será um bom sinal.
Haja Bom Senso.

 

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