Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Em torno dos registos paroquiais do Salgueiro do Campo

- 08/09/2022 - 10:15

Num dos seus comentários de domingo da SIC, o Dr. Marques Mendes referiu, há uns meses, a qualidade do site Nós, Portugueses (https://nosportugueses.pt/pt).

Partilhar:

Num dos seus comentários de domingo da SIC, o Dr. Marques Mendes referiu, há uns meses, a qualidade do site Nós, Portugueses (https://nosportugueses.pt/pt). Por mera curiosidade, visitei o referido sítio da internet, que é, de facto, excelente ao nível dos conteúdos e em termos gráficos. Um dos grandes méritos do site é a possibilidade real de, a partir dos registos paroquiais, qualquer um de nós poder construir a sua árvore genealógica, não sendo um profissional de genealogia, como é o meu caso, utilizando, para o efeito, os livros de batismo, de casamento e de óbito, pois estes estão online, a partir do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, através da sua consulta e do respetivo download. Futuramente, devem ser colocados online os registos civis, depois de 1911, estando já alguns concelhos com as respetivas ligações.      
Como se sabe, a obrigação dos registos, por parte da Igreja Católica, veio do Concílio de Trento (1545-1563), mais especificamente da XXIV sessão de 1563. Mesmo sem grandes conhecimentos de paleografia, a sua leitura é fácil, sobretudo para os séculos XVIII a XX, pois quase sempre a letra dos sacerdotes nesses livros é legível. 
Os registos paroquiais do Salgueiro do Campo, no caso dos anos de 1647 a 1911, contêm igualmente os dois “montes” que pertenciam a essa freguesia, Palvarinho e Juncal. Apesar de faltarem alguns dos livros, podemos destacar factos curiosos que definem uma geografia física e sobretudo humana da freguesia. Alguns sacerdotes eram rigorosos (a quem muito agradecemos) no preenchimento dos nomes dos pais e avós paternos e maternos, profissões, padrinhos e graus de parentesco; outros, infelizmente, pouco ou nada diziam, registando somente os nomes do falecido, sem mais nada acrescentar acerca da sua ascendência. Contudo, os padres, na escrita objetiva e lacónica dos registos paroquiais, deixaram notícias que, naturalmente, devem ter tido grande impacte na comunidade da freguesia do Salgueiro do Campo, como, por exemplo, o afogamento, no dia 8 julho de 1862, na presa denominada de Gregório Lourenço, na ribeira do Tripeiro, do jovem Francisco de 15 anos, natural e residente no Salgueiro, filho de Luís Nunes, das Sarzedas, e de Angélica Maria, do Salgueiro; a descoberta, no dia 7 de março de 1873, de um recém-nascido, cujo sexo era impossível de identificar, por o corpo “se achar já corrompido pela putrefação”, na superfície do areal da mesma ribeira, junto do moinho de João Rodrigues Cravo; um outro afogamento, em 17 de setembro de 1887, de António Duarte Anselmo, de trinta e oito anos, casado, na ribeira da Ocreza. Pela leitura desses registos, constata-se que alguns casais faleciam com poucos dias de intervalo (por doença infeciosa ou questão psicológica?). Um caso particularmente dramático aconteceu com um casal que morreu, em 1862, na sua residência, no mesmo dia com um intervalo de uma hora; o choque deve ter sido tão grande, que a única filha foi incapaz de dizer o nome dos seus avós ao sacerdote. Existem também, naturalmente, registos de óbitos de recém-nascidos e, no mesmo dia ou nos dias depois, das respetivas parturientes.   
Como acontecia antes e nos séculos XVIII, XIX e inícios do XX, a mortalidade infantil era esmagadora, talvez na ordem dos 70-80 por cento, mas só um estudo estatístico poderá apurar a sua real dimensão, referindo-se certos sacerdotes às crianças falecidas como anjos e tendo, invariavelmente, sete anos, pensamos que por ser essa, na época, a idade convencional para o aleitamento. Na verdade, as crianças expostas depois dos sete anos passavam das amas-de-leite para as amas de seco. 
Era significativo o número de expostos com nomes inusitados, uma maneira de os progenitores os identificarem e recuperarem mais tarde, se as condições o permitissem. Estes nomes eram habitualmente atribuídos às crianças expostas pelos familiares. Além dos normais de Bárbara, Joana, Maria, Rosália, Teresa, António, Francisco, Domingos e Manuel, entre outros, surgem nomes invulgares como Amélia, Anastácia, Andreia, Basilissa, Belmira, Brígida, Brites, Cristina, Cunegundes, Delfina, Ernestina, Escolástica, Eusébia, Gerarda, Honorata, Júlia, Mafalda, Madalena, Patrocínia, Pelágia, Sabina, Acácio, Ambrósio, Anacleto, Bartolomeu, Clemente, Dâmaso, Demétrio, Estevão, Felizardo, Fortunato, Gregório, Higino, Isidoro, Jacinto, Jorge, Lúcio, Malaquias, Marcos, Melitão, Miguel, Nicolau, Paulino, Paulo, Primo, Roque, Severino, Silvano e Telésforo. Os nomes das amas de criação estão sempre registados e existem algumas referências a expostos que o foram em Castelo Branco e depois enviados para o Salgueiro do Campo para aí serem criados. 
Nas profissões masculinas no Salgueiro do Campo, encontramos sacerdotes, um professor oficial, um ex-capitão, proprietários, agricultores, lavradores, cultivadores, trabalhadores do campo, trabalhadores de enxada, cingeleiros, jornaleiros, moleiros, sapateiros, oleiros, funileiros, barbeiros, ferreiros, ferradores, carvoeiros, alfaiates, pedreiros, carpinteiros, bufarinheiros, tecelões, pastores (alguns eram também donos dos rebanhos), pastores de gado (pastores que trabalhavam para os donos dos rebanhos?), cardadores, marchantes, criados de servir, militares (que estavam a cumprir serviço militar), um cantoneiro e até um outro da estrada de Castelo Branco a Abrantes. As mulheres, quase sempre se ocupavam do “governo da sua casa”, em “lavar roupa”, mas também surgem tecedeiras, forneiras e “de profissão agricola”. 
Outro aspeto prende-se com algumas referências a ruas, praças e até números de casas dessas aldeias, o que constitui um dado fundamental para estudar, por exemplo, o urbanismo dessas povoações. Chegamos à conclusão de que os nossos antepassados eram quase sempre de uma aldeia natal, dir-se-ia de base, mas igualmente de localidades vizinhas, de freguesias da região e até de zonas mais longínquas, que pertenciam a diferentes arcebispados e bispados, como, por exemplo, Braga, Bragança, Viseu ou Coimbra, testemunhos, pensamos, de inúmeros homens (mais do que mulheres) que iam para outras regiões à procura de trabalho e que acabavam por aí se fixar, casando-se e tendo descendência. Algumas dessas pessoas nos registos do Salgueiro do Campo, pelos seus nomes, certamente vieram do Alentejo, por terem o apelido de Alentejano ou mesmo de Abrantes. Acontecia, igualmente, outros adotarem como apelido as terras de onde eram originários, como, por exemplo, Sarrasqueiro, do monte da Sarrasqueira; Pereira, do monte de Pereiros ou Magueijo do casal da Magueija, todas estas localidades da freguesia das Sarzedas, etc. Outro dado curioso são alguns apelidos consistentes e recorrentes em determinadas freguesias, como o de Banhudo, dos Escalos de Cima ou de Duarte em Tinalhas. No Salgueiro do Campo, encontramos, entre outros apelidos, os de Azevedo, Cravo, Dias, Perquilhas, Pires, Prata, Raposo; Matos, do Juncal do Campo, que ainda hoje persistem.     
O estudo genealógico até ao século XX não é muito fácil, pois as pessoas tinham habitualmente apenas dois nomes, no caso dos homens um nome próprio e um apelido, e no máximo três (o que constitui uma boa ajuda…) e no das mulheres somente dois, muitas vezes próprios, sem qualquer alusão ao apelido do pai ou da mãe, como Maria Josefa, Maria Rosa, Felícia Maria, Josefa Isabel, Maria Isabel, Maria João, etc. Também se constata a feminização generalizada dos apelidos, como, por exemplo, Bernarda, Bispa, Freira, Leitoa, Ribeira, etc. 
Outro dado interessante é o dos descendentes, habitualmente, irem buscar mais os apelidos maternos que os paternos, todavia, alguns usavam nomes de antepassados mais longínquos, o que torna a tarefa um pouco mais complexa. Existem mesmo filhos com apelidos completamente diversos dos seus progenitores. Neste caso, e para uma identificação mínima, cada indivíduo teria de estar registado com o nome dos seus pais, avós paternos e maternos, locais de nascimento e, se casados ou viúvos, a identificação dos respetivos cônjuges. Como se deve imaginar, muitas pessoas tinham nomes absolutamente idênticos (muitos filhos com os nomes dos pais, alguns deles com identificação de Júnior, Moço ou Velho), mesmo não tendo (aparentemente) qualquer relação de parentesco. Num arco cronológico mesmo pequeno, é comum encontrar nomes iguais, que se identificam somente pela respetiva ascendência, datas de nascimento, morte, casamento e viuvez, localidade de nascimento ou profissão. Nos nomes próprios, constata-se, igualmente, a importância dos nomes dos padrinhos ou a recuperação de nomes, por exemplo, dos avós.    
Como se sabe, os registos paroquiais suscitam inúmeras questões históricas, socais e económicas; acontecimentos, tradições, crianças expostas, profissões, apelidos, linguagem, assinaturas e até tipos de letra; enfim, são um território que poderá (e deverá) ser amplamente explorado e estudado.    
Elaborar a genealogia da família, para além de um exercício de paciência, afigura-se uma tarefa que terá de ser feita com perseverança. O trabalho é marcado por pequenas alegrias e conquistas, quando se descobre aquela pessoa que faltava, um casamento ou uma determinada data, mas igualmente por desilusões quando não estão disponíveis, por exemplo, registos para determinados anos... Nesse caso, somos obrigados a parar em algumas linhas, o que acontece com alguma frequência, mas sempre com a esperança de ainda vir a encontrar algo que nos permita continuar. Em conclusão, é um exercício de conhecimento e de aprendizagem, sabermos pequenas histórias familiares, inúmeros apelidos que os nossos antepassados possuíam e deixaram de ser utilizados por nós, localidades onde tivemos raízes e antepassados, pessoas que vieram de outras partes de Portugal, do Minho, Trás-os-Montes, Alentejo… Por instantes, temos o poder de resgatar e de preservar na memória, pessoas que existiram há dezenas ou mesmo centenas de anos e que sem elas, no fundo, não existiríamos. No meio de tanto universo digital dispensável e de espetáculos televisivos tão deprimentes, algum tempo a consultar livros de registos paroquiais antigos pode ser uma boa opção e um excelente exercício mental. 


Eduardo Duarte,
Salgueiro do Campo

COMENTÁRIOS

JMarques
à muito tempo atrás
Curiosidades! Mas história.