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Leitores: Em defesa da magnífica obra poética de António Salvado. A reposição da verdade

Gonçalo Salvado - 21/09/2023 - 10:03

O Presidente da Câmara Municipal de Castelo Branco, Leopoldo Rodrigues anunciou publicamente e pela primeira vez, a 28 de abril de 2023 numa sessão de celebração do centenário do nascimento de Eugénio de Andrade, sessão em que tive a honra de participar, a atribuição do nome de António Salvado à Biblioteca Municipal da cidade...

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O Presidente da Câmara Municipal de Castelo Branco, Leopoldo Rodrigues anunciou publicamente e pela primeira vez, a 28 de abril de 2023 numa sessão de celebração do centenário do nascimento de Eugénio de Andrade, sessão em que tive a honra de participar, a atribuição do nome de António Salvado à Biblioteca Municipal da cidade. Uma merecida homenagem a um Poeta, que ao longo de décadas se tornou por mérito do seu labor poético e da dinâmica cultural que promoveu, a figura mais icónica da cultura na cidade e também uma referência da literatura no plano nacional. Com este facto se alegraram todos os que acompanharam o notável e fecundo percurso de António Salvado. Coincidindo com esta grande homenagem foi publicado nas páginas deste mesmo jornal um artigo cujo autor se empenhou em denegrir à exaustão, segundo critérios por si estabelecidos, o valor de uma obra que justamente conquistou um lugar de relevo na Poesia Portuguesa da segunda metade do século XX.
Não quis até hoje envolver-me numa situação da qual tive naturalmente conhecimento e que diz respeito a uma figura de relevo das letras e da cultura portuguesas, o Poeta António Salvado, meu Pai. Pela indignidade dessas afirmações que seguem uma infeliz tradição do que de pior caracteriza o nosso meio. O ciúme e a inveja que levaram outro António, o famoso e celebrado Padre António Vieira a reconhecer que Portugal é o país “onde não se consente o brilhar”.
Decidi repor a verdade sabendo que a posteridade não é um jogo de forças entre os partidários e os não partidários de um autor e que o seu valor que tantas vezes escapa aos contemporâneos (a história está cheia de exemplos disso) muito menos depende dos escaparates onde é divulgado. Uma obra define-se apenas pelo seu valor intrínseco e pela sua capacidade de caminhar no tempo vencendo os seus limites. 
  Numa altura em que a cidade de Castelo Branco, representada pelo Município,  numa atitude de grande correção e acerto justamente reconheceu uma Obra e um percurso exemplares, atribuindo o seu nome à Biblioteca Municipal, a quem pode interessar diminuir o valor dessa obra que se impôs por mérito próprio longe dos holofotes da capital, mas conquistando um lugar na história da literatura nacional, como recentemente afirmou e desenvolveu em notável ensaio publicado no Jornal de Letras, aquando do seu desaparecimento, o maior crítico literário vivo, Fernando Guimarães? E porquê?
Não vou deter-me nestas perguntas cuja resposta é demasiado óbvia. A grandeza de uns sempre incomodou a pequenez de outros que não receberam do criador o mesmo talento, nem a capacidade de o desenvolver. 
O percurso cultural de António Salvado é por demais conhecido na cidade onde nasceu. Constitui por si só uma verdadeira referência para os jovens e para as gerações vindouras. Consideremos apenas hoje a sua Poesia.  
Extraordinário poeta e cultor da língua portuguesa que enriqueceu, com uma formação clássica que deixou bem plasmada no requinte da forma e na riqueza do seu vocabulário alimentado pela tradição, a que nunca deixou de ser fiel, a sua Obra ímpar permanecerá indubitavelmente – não duvidem disso – como um exemplo imorredouro da mais alta poesia do século XX, escrita no nosso idioma.
Autor de verdadeiras obras primas: Estórias na Arte, Castália, Treze Odes Latinas entre muitas e muitas outras; de poemários de qualidade inexcedível como Coisas Marinhas e Terrenas (que tive o gosto e a honra de organizar, a pedido de meu pai,  conferindo-lhe a estrutura de uma “Odisseia” e de uma “Viagem iniciática” por ser tão rico o material e por me ter evocado de imediato a obra imortal de Homero), reconhecido por vultos incontornáveis da nossa cultura, recordo a título de exemplo o parecer de Natália Correia de quem se comemora este ano o centenário, que numa sessão pública se referiu a António Salvado como “um grande poeta”.
 Essa grandeza é hoje negada insidiosamente por alguém a quem esta obviamente incomoda e que se compraz em diminuir postumamente um autor que nunca teve enquanto foi vivo a coragem ou a hombridade de atacar frontalmente.
Retomando o ponto de partida deste meu testemunho, decidi hoje quebrar o silêncio que a mim próprio me tinha imposto, para não alimentar fosse de que maneira fosse esta indignidade gratuita. Não se trata obviamente de intolerância ou de falta de respeito pela opinião alheia. Como filho que muito me orgulho de ser da Revolução de Abril de 74 considero a liberdade de expressão um valor absoluto e inalienável. Acontece simplesmente que essa opinião é falsa, não se baseia no estudo e no conhecimento apurados de uma obra, mas em fatores aleatórios alheios à autêntica natureza desta e ao juízo do tempo. 
Pretendo simplesmente repor uma verdade objetiva que bem evidencia o quanto de má-fé e ignorância existe no ataque que nas páginas deste jornal tem vindo a ser dirigido contra quem não o merece e não pode já defender-se.  
Assumo hoje essa defesa, como poeta e profundo conhecedor da poesia portuguesa, que tenho vindo a antologiar desde os seus primórdios, esclarecendo um dos argumentos falsos veiculados, comprovativos supostamente da falta de notoriedade de António Salvado num plano nacional. 
O facto de não ter sido incluído nas principais e mais importantes antologias do nosso País que marcaram o séc. XX. Nada de mais afastado da verdade e de mais falso. Para contrapor, darei o exemplo da famosa Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa (1ª edição, 1956) de Ernesto Manuel de Melo e Castro e Maria Alberta Menéres, para mim, a mais relevante atendendo ao seu rigor e critério. 
O autor do referido artigo afirma perentoriamente como investigador credível, sério e idóneo (que deste modo prova publicamente não ser) que nenhum poema de António Salvado consta e figura na citada antologia. Ora, a verdade, é que poemas de António Salvado surgem não só na 1ª edição desta histórica antologia (4 poemas), como também na 2ª edição (3 poemas). Apenas na 3ª edição a sua poesia está misteriosamente excluída. A razão desta exclusão, acreditem, prende-se a fatores subjetivos, exteriores à qualidade poética de A. S. O meu pai confidenciou-mos. Assim como o próprio Ernesto Melo e Castro de quem fui amigo e com o qual privei, em Lisboa, durante muitos e longos anos até à sua partida para o Brasil, onde faleceu. Tratou-se simplesmente de uma desinteligência entre ambos, comum no nosso meio intelectual. Mais tarde ultrapassada pois tive oportunidade de os reunir a ambos, em Lisboa, numa sessão na qual participei e ajudei a coordenar na Casa Fernando Pessoa, em 2006.
Uma outra antologia* de real importância, que desejo referir e lembrar é aquela que foi organizada pelo histórico poeta (e antologiador das célebres Líricas Portuguesas 2ª série) Cabral do Nascimento (poeta, como se sabe, dado a conhecer por Fernando Pessoa). A antologia de Cabral de Nascimento que contempla um âmbito cronológico tão vasto como o que medeia entre o século XII e o século XX termina com um poeta nascido em 1936. E que poeta é esse? Nada mais do que António Salvado. Cabral de Nascimento deu, assim, honras ao meu pai de encerrar a história da poesia portuguesa. Vá-se lá saber porquê…

Poeta

*Cabral de Nascimento, Coletânea de Versos Portugueses - Do Século XII Ao Século XX, Editorial Minerva, 1964.

COMENTÁRIOS

Vera Lúcia Ferreira Marques
No ano passado
Maravilhoso poeta que tive a honra de conhecer e honrar. Tem uma obra notável e imortal.