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Leitores: Encerrar a querela sobre a biblioteca municipal Dr. Jaime Lopes Dias

Leonel Azevedo - 19/10/2023 - 9:54

Resposta ao artigo saído em “Reconquista”, n.º4048, 12 de Outubro 2023, p.31

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1. No passado artigo fechei um tema, que era o tema secundário — o principal para os meus oponentes. Neste fecho o tema, o único, que é aquele para o qual sempre chamei a atenção e que me fez protestar publicamente. 
[Não sem antes registar a prenda que me chegou em letra impressa neste jornal, por entre trovões de impropérios de baixo nível (projecção de mentes que não se conseguem suster ao nível das ideias), juízos de infantilidade literária (sobre a imortalidade, sobre o argumento de autoridade) e o enxovalho, o insulto e o pontapé (as faculdades preferidas de uma certa pequenez humana) contra quem não concorda, assinando de cruz, os seus pareceres estéticos sobre uma obra. (Excluo aqui os parágrafos de literatura afectiva e familiar, apesar de deslocados para a questão polémica, ignoro-os, por julgar os afectos e a família valores sagrados.) Nem faltaram umas pitadinhas de promoção, de elogio na primeira pessoa do singular e até de marketing comercial. Agora entendo melhor a conjugação entre o que certas criaturas pensam e aquilo que fazem ou aprovam. A tentação seria responder no mesmo tom. Pela minha parte recuso-me, moral e intelectualmente, gizar um comentário a cada passagem desse artigo, de uma tocante fantasia intelectual, porque fazê-lo significava apenas descer ao nível de quem o produziu e perder a razão de aquilo que afirmo, defendo e dos valores que guiam esse saber e essa defesa. Significaria ter de expelir também fel, maldade, rancor e — por Mahatma e pelo Ateniense que engoliu a cicuta, pelos princípios do iluminismo, que desde o século XVIII influenciaram e determinaram tudo aquilo que em matéria de educação a Europa aprendeu e adoptou e pelos quais estudei, não. Não o farei, definitivamente. Pelo contrário, antes de terminar esta contenda, de uma vez por todas, quero agradecer aos meus oponentes o terem-me ensinado tanto em tão pouco tempo: o terem-me dado a medida da intolerância cultural; o peso efectivo da conveniência pessoal; a soberania de um ponto de vista que, mesmo com a cidade a arder diante de si (para empregar uma imagem de A. de Campos), não abdica do trono; a hidra da vaidade no espelho da sociedade; a expressão pura do medo da insignificância e tantas outras coisas que guardarei no meu sacrário dos bens espirituais. Bem hajam a todos, não esquecerei tão depressa esta lição sobre o ser humano no primeiro lustre do século XXI.]     
2. Agora sim, vou responder, mais uma vez, a última, guiado pelos mestres que muito me ensinaram o pouco que sei – com frontalidade e contundência, mas com os olhos postos (no conhecimento) e na educação. Esse ensino (a educação), que o iluminismo alemão defende (Kant, na filosofia, Goethe na literatura, etc.), é o cerne do que se chama formação (instrução e educação para a liberdade do sujeito): existe, aprende-se, pratica-se e tem em vista dominar e disciplinar o que a natureza nos deu de instinto selvagem e animalesco.
3. Respondo às duas linhas, duas frases, que o tema principal de toda esta querela mereceu ao meu oponente no último artigo — de que a cidade devia sentir honra por dar o novo nome à biblioteca. A mudança de um nome por outro da biblioteca municipal foi um muito bem orquestrado concerto sinfónico entre os órgãos do poder local e os desejos dos familiares e amigos, como ficou bem patente nos depoimentos de uns e de outros. Que o poder adore estes números de cultura, em vida ou a título póstumo, e amigos e admiradores sintam vaidade pessoal pelo penacho das consagrações e dos prémios não é novidade para ninguém. Aliás, é prática corrente e abusiva por toda a parte. Isso, porém, não me faria sair do meu sossego para aparecer na praça pública a protestar. O que me fez sair da penumbra dos arquivos e bibliotecas, onde consumo a minha existência, foi a injustiça, a patifaria, a infâmia com que a consagração foi feita. Cabemos todos neste mundo, sem atropelos, desde o mais ínfimo verme ao maior cientista, desde os adeptos da cultura kitsch aos da mais refinada cultura erudita. Mas para haver harmonia e respeito no todo que se chama sociedade, seja qual for a escala dela (cidade, país), uma certa classe de criaturas não pode ter autorização oficial para pisar e atropelar os outros, a fim de conseguirem os seus, não digo objectivos, mas desejos de protagonismo, na ribalta do palco de vaidades que é o mundo em geral. O que fizeram com a mudança de nome foi feio, injusto, traiçoeiro, oportunista: empurraram da cadeira abaixo Jaime Lopes Dias para sentarem António Salvado. E o que mais me surpreende, ao considerar fria e racionalmente a mudança, é, a aprovação, o aplauso, o júbilo com que festejam esta façanha, a todos os títulos ignóbil e reprovável. 
4. Quero responder-lhe ainda ao seguinte e terminar como comecei este protesto há uns meses atrás. Se estamos a empregar os mesmos conceitos de HONRA e de JUSTIÇA — que a tradição ocidental nos legou (e lembro para este efeito uma fonte literária incontornável, a Antígona de Sófocles, em vez de citar tratados de ética e de filosofia do direito que poucos têm vagar para ler) — então, levantaram o troféu de António Salvado, para nome da biblioteca municipal, sobre o cadáver de Jaime Lopes Dias e, tal facto, acrescento agora, em letras capitulares para ver melhor, só pode ser motivo de VERGONHA e de IGNOMÍNIA para quem o praticou e apadrinhou. 
E, confesso mais: até a morte me beber os olhos é cobertas por esse manto, ao que parece tanto as orgulha, que olharei para as pessoas que praticaram esse acto vil.
Leonel Azevedo               

 

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