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Ensino superior: Doutoramentos nos Politécnicos

Carlos Maia - Ex presidente do IPCB - 07/07/2022 - 9:37

As iniciativas legislativas, com vista à alteração da designação dos Institutos Politécnicos para Universidades Politécnicas, e à possibilidade de passarem a poder conceder doutoramentos, foram aprovadas por unanimidade na Assembleia da República na passada semana.

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As iniciativas legislativas, com vista à alteração da designação dos Institutos Politécnicos para Universidades Politécnicas, e à possibilidade de passarem a poder conceder doutoramentos, foram aprovadas por unanimidade na Assembleia da República na passada semana. 
Estas alterações, a concretizarem-se, colocarão os politécnicos portugueses em consonância com o que acontece no resto da Europa (em alguns países também se designam Universidades de Ciências Aplicadas), passando a ser instituições que, mantendo a matriz politécnica, asseguram a formação profissionalizante até ao nível 8 – doutoramento de natureza profissional ou performativa, tal como recomendado há muito tempo pelas organizações internacionais, de que se destacam a European University Association (EUA)  e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Apesar da unanimidade, na votação na generalidade, deixar antever que existem boas perspetivas para se concretizar esta pretensão de décadas dos politécnicos portugueses, é igualmente expectável que até à decisão final se voltem a agitar as bandeiras do preconceito e se intensifiquem os lobbies do corporativismo, que têm mantido o impedimento administrativo dos politécnicos outorgarem o grau de doutor, mesmo quando apresentam centros de investigação de excelência, reconhecidos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e corpos docentes altamente qualificados, reconhecidos pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).
Mas então os politécnicos vão fazer o mesmo que as universidades? Esta afirmação(!), camuflada de pergunta, tem sido difundida com o objetivo de criar nos cidadãos a ideia de que os politécnicos querem intrometer-se num espaço exclusivo das universidades, o que seria intolerável, ainda por cima para fazerem o que já é feito pelas universidades, o que seria inútil. 
Em primeiro lugar, não está em causa a alteração da missão das instituições de matriz politécnica. Apesar da deriva profissionalizante das universidades e da deriva académica dos politécnicos terem aproximado de tal modo os dois subsistemas, que o fator mais visível de diferenciação é precisamente a proibição injustificada dos politécnicos outorgarem o grau de doutor, o sistema deverá continuar, em termos legais, a ser binário. 
Em segundo lugar, porque os perfis de doutoramento dos politécnicos não deverão ser réplicas dos que já existem. Os programas doutorais das futuras Universidades Politécnicas deverão assentar num modelo formativo com base na investigação aplicada, em estreita articulação com o ambiente empresarial e com incidência na promoção da inovação regional, sendo por isso diferentes dos doutoramentos atualmente conferidos pelas universidades, o que poderá contribuir para o reforço da dualidade dos subsistemas e para diferenciação das suas missões.
Então o que está em causa? O que está em causa é a utilização dos mesmos critérios na avaliação da capacidade das instituições para atribuírem o grau doutor, independentemente da sua designação. Caberá depois à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior verificar, com igual rigor, quais são as que cumprem esses critérios, isto é, quais as que têm um projeto educativo, científico, técnico, cultural, artístico e organizativo sólido, na área em que se propõem atribuir o grau.
O que está em causa é uma “norma estúpida”, como em 2016 a classificou o ex-ministro da Educação, Marçal Grilo, que tem constituído uma limitação ao desenvolvimento dos politécnicos, nas parcerias internacionais na formação e na investigação, no acesso a uma maior diversidade de fontes de financiamento através de projetos internacionais, e num maior contributo para a qualificação avançada dos cidadãos, fundamental para a competitividade do país. 
O que está em causa é um impedimento administrativo absurdo, baseado no preconceito, que tem acentuado desigualdades e perpetuado paradoxos, como o facto dos docentes do ensino superior politécnico serem obrigados a fazer os seus doutoramentos no subsistema universitário, para depois lecionarem no subsistema politécnico, onde se lhes exige que preparem os alunos, de licenciatura e de mestrado, para a vertente profissional e orientados para o mercado de trabalho. Ou ainda como as situações caricatas verificadas na área da enfermagem e das tecnologias da saúde, ou na área das artes performativas, em que os orientadores dos doutoramentos são docentes do ensino superior politécnico(!), porque é nesse subsistema que reconhecidamente existe o conhecimento e as competências nesses domínios, mas o grau é outorgado pelas universidades, porque … existe uma regra que assim o determina. Até quando? Bom, para já, o que foi aprovado foi unicamente a possibilidade de se continuar a discussão na especialidade.

Ex-Presidente do IPCB

COMENTÁRIOS

JMarques
à muito tempo atrás
Fala quem sabe!