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Leitores: A chuva e o regadio da Marateca

João Carvalhinho - 17/03/2022 - 9:44

Por estes dias regressou a chuva. Motivo de satisfação e de alívio, assim perdure!

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Por estes dias regressou a chuva. Motivo de satisfação e de alívio, assim perdure!
O Reconquista publicou, nos últimos três anos, vários artigos sobre o tema da água no nosso território, o projeto de regadio a sul da Gardunha e as barragens da Marateca e do Barbaído. São questões vitais para o futuro de todos os que aqui vivem, razões por que insisto.
Há poucas semanas, o Prof. Viriato Soromenho-Marques alertava, em artigo publicado no Diário de Notícias: “a seca é um dos maiores desafios que o país vai ter de enfrentar se nos quisermos adaptar a um futuro difícil e hostil”.
As alterações climáticas que o Homem acentuou, e ainda agrava com a extensa utilização de combustíveis fósseis, têm um padrão indiscutível: o aumento da temperatura média global e da frequência e intensidade dos fenómenos climáticos extremos. Ou seja, as ondas de calor e as secas terão uma frequência nunca vista. Muito preocupante, mesmo!
Factos recentes, que elenco de seguida, apoiam e reforçam indiscutivelmente aquela antecipação do futuro.
No Boletim Climatológico de fevereiro de 2022, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera define o clima do mês como muito quente e extremamente seco. Tratou-se do 5.º fevereiro mais quente desde o ano 2000, e o 3.º mais seco dos últimos 90 anos. No dia 22, 76% das estações meteorológicas continentais registaram valores de temperatura máxima superiores a 20 °C. No fim do mês, mais de 60% do território continental registava seca extrema. 
Na conferência “Disponibilidade de Água e Alterações Climáticas”, realizada pela Agência Portuguesa do Ambiente em dezembro de 2021, foram apresentados dados muito relevantes, especialmente sobre a água que não vamos ter no futuro!
Douglas Maroun, perito do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, reiterou factos indisputáveis: as mudanças recentes no clima estão generalizadas, são rápidas, têm-se intensificado e não têm precedentes em milhares de anos; os eventos climáticos extremos (ondas de calor, chuvas intensas, secas) serão mais frequentes e severos.
No Roteiro Nacional para a Adaptação 2100, que prossegue a avaliação da vulnerabilidade do território português às alterações climáticas no século XXI, a Beira Baixa está identificada com um clima semiárido e com uma projeção de 4 a 5 secas por década. Cenário muito plausível quando, nos últimos 20, onze anos foram considerados secos.
A Estratégia da União Europeia para a Adaptação às Alterações Climáticas, aprovada em junho de 2021, aponta para a necessidade de reduzir significativamente o uso da água, apostando na eficiência, na economia circular e na gestão sustentável do solo e do uso da terra, de forma a garantir o abastecimento estável e seguro de água para o consumo humano.
No estudo “Avaliação das disponibilidades hídricas atuais e futuras e aplicação do índice de escassez WEI+”, que quantifica as disponibilidades hídricas atuais e futuras, e avalia evolução daquelas disponibilidades face a cenários de alterações climáticas, conclui-se que ocorreu uma redução da precipitação de 15% na bacia do rio Tejo, entre 1981 e 2016. Até ao final deste século, a diminuição da precipitação deverá acentuar-se mais 10 a 25%, colocando o nosso território em escassez hídrica elevada.
A Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), no relatório “The State of the World’s Land and Water Resources for Food and Agriculture – Systems at breaking point. Synthesis report 2021”, indica que a temperatura média na Península Ibérica subiu 1,4 a 2,1 °C entre 1961 e 2020. O inevitável acréscimo da evapotranspiração e as maiores variações no escoamento dos rios e na recarga dos aquíferos subterrâneos, vão determinar alterações na adequação das culturas aos territórios. Para a FAO, os atuais padrões de intensificação agrícola não se revelam sustentáveis.
À luz desta informação, e de outra igualmente atualizada, exorto os responsáveis políticos de Castelo Branco, e do Fundão também, a revisitar o projeto de regadio no sul da Gardunha com água da Barragem da Marateca.
Recordo que aquele projeto foi conduzido, até hoje, sem transparência ou qualquer debate público. E que enferma de um artifício chico-esperto para o isentar da obrigação de avaliação de impacte ambiental. É inadmissível que tal intenção não seja estudada e avaliada nos seus potenciais efeitos no ambiente e nas condições de vida das populações.
É muito importante sublinhar que não foi o atual Presidente da Câmara Municipal de Castelo Branco que mudou de posição. A autarquia é que mudou de Presidente e, o atual, não é irresponsável. Não ignora a realidade, como os negacionistas das alterações climáticas, e não entende que os seus achismos prevalecem sobre a ciência.
Não tenho dúvidas sobre a importância do regadio no campo albicastrense, a sul da Serra da Gardunha, para o desenvolvimento socioeconómico da nossa comunidade. Mas considero, também com igual convicção, que só será ambiental e economicamente sustentável com outras fontes de água, como a Barragem do Barbaído, com uma capacidade total de 28 milhões de m3 de água.
No tempo presente, convocam-se atitudes responsáveis no planeamento da utilização da água. É indiscutível que não teremos água suficiente para todos os usos pretendidos. E são as atividades económicas que têm de se adaptar às condições do território e não o contrário.
Apesar de ter regressado a chuva, não podemos continuar a ignorar que enfrentamos um problema muito sério, nem acreditar em aprendizes de feiticeiro que se propõem resolvê-lo executando uma qualquer dança da chuva.

joao.carvalhinho@sapo.pt

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