Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Idanha: A alfacinha que chegou a centenária no Ladoeiro

José Furtado - 19/08/2022 - 15:03

Ivone Afonso Mateus nasceu em Lisboa mas vive há quase 90 anos na localidade raiana. Fez 100 anos este mês.

Partilhar:

Foto Reconquista

A casa está impecavelmente arrumada e continua a fazer a lida diária, que inclui cuidar do jardim e também dos animais. A saúde vai bem, apenas com a obrigação de um comprimido diário para regular a tensão. Não seria notícia se a protagonista desta história não fosse Ivone Afonso Mateus, que acaba de cumprir 100 anos, sendo uma das habitantes mais velhas do Ladoeiro, no concelho de Idanha-a-Nova.

“Calhou. Pode ser que ainda passe mais. Estou bem, graças a Deus. Como bem e trabalho melhor”, resume quando lhe perguntamos como se sente ao chegar ao centenário. Vive sozinha num anexo da casa que a família construiu e que a filha única partilha com o marido. Mas dentro e até fora do seu espaço é ela que faz tudo- da arrumação às refeições. Com a idade só deixou de ir às compras, porque as pernas já não dão para tudo.

Ivone fez-se mulher no Ladoeiro mas nasceu em Lisboa, no bairro de Arroios. O pai era polícia e trabalhava perto de casa. Desses primeiros anos recorda-se da vez em que se infiltrou numa procissão com a família à procura dela e dos recados que ia fazer à cervejaria Portugália, onde a mandavam comprar cerveja com um jarro para servir às visitas lá em casa. Ivone era rapariga esperta mas não queria estudar, mesmo com o pai a pedir-lhe. O seu sonho era ser costureira e perante a intransigência da filha, o pai, que entretanto se tinha reformado, não achou que valesse a pena continuar em Lisboa e a família mudou-se para o Ladoeiro, onde Ivone chegou na altura em que fez 13 anos. “Nunca mais de cá saí e casei cá com 22 anos”.

O gosto pela costura da rapariga vinda da cidade deu nas vistas numa aldeia onde as mulheres vestiam saia cinzenta, blusa, avental e andavam de pés descalços. “Uma prima minha que veio de Lisboa para me visitar perguntou se havia aqui alguma irmandade, que os trajes eram todos iguais”, lembra com graça. Começou a fazer vestidos de noiva, casacos compridos e adaptava roupa de criança. O marido, que faleceu com 93 anos, era um homem dos sete ofícios. Fazia de médico porque “o doutor morava no Rosmaninhal”, arranca dentes, era veterinário, tratava dos correios, tinha seguros e até escrevia para os diários de Lisboa. Quando se casaram compraram um terreno e plantaram oliveiras e vinha. Com o lucro da venda das pipas de vinho acabaram por construir há mais de 50 anos a casa que ainda hoje está na família, que na altura ficava distante do centro da aldeia mas que foi sendo engolida pela malha urbana.

Ivone guarda ainda as memórias dos tempos da II Guerra Mundial, quando a mãe “passava noites na padaria à espera do pão” e muitas vezes regressava a casa sem nada. Mas também da construção da barragem de Idanha. “Nessa altura apanhei muitos mosquitos quando começaram a fazer a barragem. Vinha cá um médico de fora e um dia cheguei lá com vergões, vergões e vergões”, situação que só foi resolvida quando as casas foram desinfetadas. Ivone preferiu a costura aos estudos mas não era ignorante. Lia os jornais, gostava de romances e chegou a fazer teatros, sempre com a cumplicidade da família que também se juntava para dar música à aldeia. Chega aos 100 anos, feitos a 1 de agosto, na companhia de dois netos e quatro bisnetos.

COMENTÁRIOS