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Leitores: Juncal do Campo. Crianças, jogos e brinquedos

Joaquim P. de Matos - 15/06/2023 - 9:57

Atualmente assiste-se a uma época em que as tradições se extinguem e surgem novos rostos de estrangeiros com suas culturas, tornando-se necessário divulgar as tradições do nosso povo para perpetuar através das novas gerações e suas formas de vida.

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Atualmente assiste-se a uma época em que as tradições se extinguem e surgem novos rostos de estrangeiros com suas culturas, tornando-se necessário divulgar as tradições do nosso povo para perpetuar através das novas gerações e suas formas de vida. 

Desde sempre as crianças participaram em jogos, partilharam brinquedos ou conciliavam os dois nas diversões populares numa identidade cultural na rotina dos seus tempos livres.

Interagiam em grupo com harmonia que por natureza as elevavam na sociabilização que o futuro lhes reservava.

Também era a brincar ou a jogar que aprendiam a respeitar as regras de cada jogo e os preceitos da vida social. Devido ao declive das ruas entre o povo “cimeiro” e o “fundeiro”, da aldeia, as crianças agrupavam-se no antigo “Largo da Laranjeira” por ser mais central ou, ainda, próximo de suas casas.

Aprendiam os jogos ou brincadeiras com os irmãos ou amigos mais velhos, passando de geração em geração. Com uma riqueza imaginativa e criativa proporcionava-lhes momentos sadios e alegres no mundo da fantasia que construíam à sua volta.

As raparigas cantavam e dançavam modas de roda, saltavam à corda, jogavam à “china” com pedrinhas, ao lenço, à cabra cega, ao “padre nosso”, às escondidas e tantas outras diversões.

O jogo do “piseu” ou do pé coxinho, isto é, os “riscos” dos jogos desenhados no chão não se deviam pisar com o pé ao arrastar a “fita” ou fragmento de uma telha enquanto o outro se mantinha no ar. 

Era com trapos que executavam bonecas que cobriam de carícias maternais da vida familiar.

Improvisavam sapatos de “salto alto” com “carros” das linhas atados aos pés com fios de barbante.

As folhas de figueira ligadas com caruma colocavam-nas nos pés para imitarem o calçado que muitas vezes não existia.

Com as folhas dos “catchapins” recriavam filhoses e com pedacinhos de folhas de couve imitavam iguarias servidas em “cacos” ou fragmentos de loiças.

Rapazes ou possíveis “derriços” e raparigas constituíam-se em casais e faziam casas e suas divisões com pedras ou paus alinhadas no chão.

Os rapazes jogavam ao futebol com bolas de trapos, ao pião, à “marra”, ao fito, à “bugalha”, à “bilharda”, ao salto um por um, rapa ou bailarico, ao fito, às corridas, jogos da corda, do púcaro e tantos outros que se organizavam entre os elementos de cada grupo. 

Paralelamente aos jogos recriavam-se brinquedos ou “engenhocas” como réplicas das alfaias agrícolas.

Com pequenos “galhos” bifurcados imitavam arados de pau, com pedacinhos de tábuas improvisavam carros de tração animal puxados por figuras recortadas em cortiça ou simplesmente com pinhas dos pinheiros. As “burras” ou picotas nas hortas e “cancelas” na pastorícia, com pequenos paus “arremedavam” os que verdadeiramente eram utilizados nestas atividades rurais.

Por outro lado, com três pedaços de uma haste de junco cruzados, construíam “moinhos” que giravam nos regatos de água em que os movimentos rotativos cativavam os olhares de quem estivesse por perto.

Os carrinhos de corda construídos com “carroças” das linhas de coser e com uma tira de borracha torcida no interior e fixa nas extremidades deslocavam-se pelo chão como um desafio tecnológico.

Também construir viaturas com uma lata de conserva pregada numa ripa com um guiador de arame na roda da frente era já o início à condução automóvel por “rapeiros” ou estradas feitas com as mãos na terra.

Também com duas latas ligadas por um fio funcionava como telefone nas brincadeiras a prever a evolução dos tempos na comunicação à distância.

Pela Quaresma “engantchar, engantchar p”ra te mandar rezar” tornava-se um jogo ou brincadeira para surpreender outra criança quando surgia na esquina de uma casa para a mandar rezar.

A sensibilidade auditiva originava a recriação de simples instrumentos sonoros tal como o “gato” de uma “vergonta” de oliveira que uma vez fendida nas extremidades entalava-se e ajustava-se uma folha de oliveira. Encostava-se aos lábios e com um leve sopro vibrava, imitando um gato. Com a diferença de sons, por vezes, originava despiques sonoros.

Também com um pedaço de verga de um cesto velho talhavam “zunas” suspensas por um barbante na extremidade e ao rodar o braço vertiginosamente o simples instrumento zumbia, levando a competir a intensidade do sons.

Também era nos serões em que pais ou irmãos sentados à volta do lume, à luz da candeia de azeite, sobre as costas de quem estava ao lado, jogavam ao “Digo dão, digo dão” e, sobre os joelhos com as mãos, ”Quantos almoços tem o fundeiro”, “Tico tico nanarico” e outros.

Destaca-se o “Pão “borolento” cordas de viola, o que se deixar rir é um “cagarola”.

Sobrepunham as mãos fechadas e depois de citar a frase rodavam os punhos à volta um do outro. Assim, o que resistia até ao fim sem rir era o vencedor.

Enfim, a brincar sentia-se alegria e o prazer de partilhar vivências felizes até adormecer sobre os joelhos dos pais ou dos irmãos.

Enquanto as crianças brincam e crescem é a pensar, agarrar e a recriar que vão construindo o mundo.

Notas: “Arremedavam” – imitavam; “Bugalha” – excrescência do carvalho ou sobreiro; “Cacos” – fragmentos de loiças; “Cagarola” – insinuação para fazer rir; “Carroças” – suporte para linhas de coser; “Catchapins” – umbigos de vénus; “Derriços” – namorados; “Engantchar” – engatar com gancho; “Piseu” – jogo do pisa; “Vergonta” – haste nova ou talo.

Joaquim P. de Matos

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