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Leitores: A (in)coesão territorial a que assistimos

Ana Ferreira - 01/06/2023 - 10:45

É necessário um poder local com visão, que defenda o nosso território com uma estratégia de novas oportunidades.

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De uma forma simples, a coesão territorial só existe quando todos temos as mesmas oportunidades, sem sermos prejudicados por vivermos nesta ou naquela região. Viver no interior não deveria penalizar o cidadão, o seu acesso a serviços, a sua formação ou oportunidades, um território coeso oferece o mesmo a todos. Mas a realidade em Portugal está longe de ser esta. Num país onde todos reconhecem as disparidades entre litoral e interior, pouco se faz para reverter esta realidade, pelo contrário. Ora, vejamos…

Tanto tivemos de lutar por uma infraestrutura como o IC31 em perfil de autoestrada, um investimento óbvio para a região se quisermos beneficiar da nossa posição estratégica entre Madrid e Lisboa. Mas não era a intenção do governo, o que estava previsto era uma renovação mínima da estrada existente, sem qualquer benefício e talvez aumentando os riscos para as povoações locais pelo aumento do fluxo de veículos. Esperava-se do poder local um maior empenho, desde o início desta luta, por todos, não é mais do que bom senso. Foi uma vitória dos que o defenderam sempre, embora falemos de uma obra com início previsto para 2025. Como sabemos, no nosso país muda-se o governo mudam-se as vontades.

Recentemente a autarquia albicastrense anunciou um Centro de Saúde em Alcains, claramente poderá ser um contributo para a coesão territorial. Mas a grande questão que se coloca, neste caso, não são as infraestruturas mas os recursos humanos. Quando se questiona sobre a existência de médicos para lá trabalharem , não existem respostas concretas. Corremos o risco de ter um edifício vazio, com equipamentos e gabinetes por estrear. Dinheiros aplicados sem estudo do mercado.

E todos sabemos que os Centros de Saúde já não são resposta suficiente ao envelhecimento da população, aos problemas de saúde com que todos nos deparamos mais cedo ou mais tarde. Devíamos encontrar respostas na nossa região, sem a necessidade de deslocações com custos para o próprio ou para o erário público para receber tratamentos em outros centros e hospitais, sobretudo localizados no litoral, porque na região não existem condições. A que vai existindo, parece estar a concentrar-se no município vizinho.

E quando falamos de ensino, só vemos a preocupação com o ensino básico: creche gratuita, refeições gratuitas e escola a tempo inteiro. Não existem dúvidas de que é uma grande ajuda para as famílias, mas e depois? Falamos de escolaridade obrigatória, mas é necessário formar pessoas para o mercado de trabalho, para fortalecer as nossas empresas e contribuir verdadeiramente para a inovação e valorização do que aqui se faz. Para isto precisamos de um ensino profissional e superior forte, estruturado e que garanta a continuidade da formação. Os jovens anseiam pela continuidade da sua formação, os adultos pela oportunidade de evolução ou reconversão. Que melhor forma de fazê-lo do que aqui?

Neste domínio haveria muito para fazer e já. O investimento disponível no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a modernização do ensino profissional é para já e faz-se através da criação de Centros Tecnológicos Especializados (em escolas profissionais existentes que seriam modernizadas). Mas, mais uma vez, estamos a ver a possibilidade de investimento passar ao lado. A autarquia não lidera o processo, nem investe de forma séria em candidaturas vencedoras dos agrupamentos de escolas e escolas profissionais no município. No final da 1ª fase de candidaturas, integramos a única Comunidade Intermunicipal, a da Beira Baixa, sem qualquer investimento nesta área.

E como se não bastasse, neste ano, mais uma vez, o interior é penalizado com as alterações ditadas pela tutela no referente ao despacho de fixação de vagas , com implicações concretas no número máximo de vagas que cada instituição de ensino superior poderá disponibilizar para o próximo ano letivo e com regras pouco adequadas aos territórios do interior. Veremos as instituições do litoral a aumentar o número de novos estudantes, também com a abertura de novas licenciaturas com suporte do PRR, e as instituições do interior condenadas ao emagrecimento do número de estudantes e, certamente, na dotação do orçamento de estado. Onde está a coesão territorial? Principalmente num momento de dificuldades com a habitação nos grandes centros, agravada pela crise financeira e que poderia ser, por si só, uma razão de escolha do interior: mais acessível e com maior disponibilidade de habitações. Mas o poder local não se levanta para defender as suas instituições ou o seu território. Seriam mais jovens atraídos para Castelo Branco para frequentarem o ensino superior, sendo que muitos aqui se fixam e formam famílias. Jovens que colaboram para a geração de riqueza e para a reversão do fenómeno do envelhecimento. Isto sim é coesão territorial!

As empresas são claras quando manifestam a dificuldade em atrair e fixar talentos em Castelo Branco ou quando referem a necessidade de pessoas qualificados, sejam técnicos ou quadros superiores. Que melhor forma de captar e fixar do que ter uma rede de ensino profissional e superior modernizada e que respondam às necessidades dos albicastrenses?

Mas talvez não seja desta coesão territorial que estejamos a falar. Talvez seja melhor ficarmo-nos pelo ‘chavão’ político, mencionado por conveniência em discursos vazios. Infelizmente não é à toa que os portugueses, e os albicastrenses, têm se desinteressado da política, porque ‘bem feito é melhor do que bem dito’.

É necessário que o executivo municipal albicastrense veja as oportunidades e não as deixe passar. Importa investir no território, criar oportunidades, o que também poderia acontecer através do investimento em estruturas existentes não só nos municípios como nas freguesias. E temos tanto para oferecer no nosso concelho. A título de exemplo, em equipamentos refiro a colónia de média altitude da Serra da Gardunha, deixada ao abandono. São investimentos como estes, a ser realizados já, que poderiam trazer um retorno a curto prazo como a criação de emprego e ganho económico.

É necessário um poder local com visão, que defenda o nosso território com uma estratégia de novas oportunidades, sejam de emprego, de ensino, saúde ou serviços, estruturada e que não se esgote no ensino obrigatório, até porque este já não é suficiente, é simplesmente o mínimo. Há que querer mais, que lutar por jovens e adultos qualificados, preparados para enfrentar um mercado cada vez mais competitivo. Acima de tudo, pessoas que vejam em Castelo Branco a sua oportunidade de vida e que cá fiquem de forma a contribuir para o desenvolvimento e coesão do nosso território.

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