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Leitores: Cantinho da Saudade. Liceu da minha grande saudade

Albano Cardoso Morgado de Matos - 01/06/2023 - 10:38

Estou à beira de fazer 95 anos e o Liceu da minha grande saudade, foi o Liceu Velho, no antigo Paço Episcopal.

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Em primeiro lugar quero dar-vos os parabéns pela passagem do 78.º aniversário da existência do nosso jornal “Reconquista”, do qual sou assinante há algumas décadas.

O “Reconquista” veio preencher o vazio deixado pela extinção do jornal “Beira Baixa” fundado pelo meu tio avô António Rodrigues Cardoso, considerado o decano do jornalismo naquela época, tinha por alcunha “ o Palma Cavalão”, por ter uma prosa semelhante à daquele histórico jornalista de Lisboa.

Pois bem, o que me faz pedir a publicação destas linhas foi ter lido o Cantinho da Saudade, escrito pelo José Soares e relativo à próxima Romagem de Saudade dos antigos alunos do Liceu de Castelo Branco. Eu não o conheço, mas penso que deve haver uns anitos de diferença de idades, entre eu e ele, apesar de citar professores que nos foram comuns: Sérvulo Correia, reitor, Almeida Esteves, Duque Vieira, os “Manos”, etc.

Estou à beira de fazer 95 anos e o Liceu da minha grande saudade, foi o Liceu Velho, no antigo Paço Episcopal. Nele tive como reitor o Dr. José Ascenso e os professores, Russo, Monteiro Mansinho, Lobato Faria (o Perna), Cónego Ventura (Religião e Moral) e outros. Terminei a minha vida académica, no Liceu Nun`Álvares em 1949, no 7º ano, data em que foi inaugurado.

Transcrevo a seguir uns episódios do meu livro “Moedas e Narrativas editado há 10 anos, precisamente em Maio de 2013.

No dia em que terminou a guerra mundial em 1945, andava no 4.º ano e quando os sinos da Sé e da Igreja do Hospital começaram a tocar, estava numa aula de Religião e Moral dada pelo saudoso Cónego Ventura, grande amigo de todos os alunos. Começámos aos saltos e agarrados ao cónego. Aproveitando a vestimenta preta que ele usava, toca a pôr vários V de vitória com o giz do quadro nas costas do homem, sem que ele se apercebesse. Foi assim para a rua e no dia seguinte, a fingir-se zangado, disse-nos que toda a gente se ria dele e que lhe batiam palmas.

Recordo também, que tínhamos nesse ano um professor de inglês muito ingénuo, muito extravagante na sua maneira de ser e muito simpático. Acreditava em tudo o que lhe diziam por mais inverosímil que fosse.

Era o Dr. Lobato Faria que tinha por alcunha “O Perna” por coxear levemente. Um dia há um aluno que encontrou um ninho de galinha, com vários ovos, nas ruínas de um edifício contiguo ao pátio do liceu. Levou um dos ovos para a aula de inglês e colocou-o debaixo da secretária do professor. A janela tinha um vidro partido que srvia de pretexto para justificar a presença do ovo.

- Sr. Doutor, olhe um ovo que uma galinha pôs!

- Deve ter entrado pela janela que não tem vidro.

- Pois é! Hoje o menino guarda-o e faz uma gemada e se ela voltar distribuímos por todos. Como a próxima aula foi só ao fim de três dias, havia lá três ovos como é lógico. Quando entrou na sala e lhe dissemos que a galinha tinha posto três ovos, foi uma festa para ele.

- Isto é uma mina de ouro! Já ninguém passa fome e o Sr. Reitor tem de saber.

Aí acabaram-se os ovos, porque ele foi informar o Reitor, Este não foi na conversa e veio logo saber o que se passava. Quando o Reitor entrou na sala perguntou:

- Quem é a galinha que põe aqui ovos?

Ninguém respondeu, todos de cabeça baixa.

O reitor era o Dr. José Ascenso e a brincadeira acabou ali.

O Dr. Lobato Faria nunca chumbava ninguém desde que estivessem sempre caladinhos durante as aulas. Os outros tinham que ter muito cuidado, porque se apanhava alguém a falar punha-os na rua e pior que isso baixava-lhe logo as notas. Um dia calhou apanhar na conversa o António Branco do Amaral, já falecido, e que foi durante vários anos médico do Sporting e mais tarde do farense. Foi um grande especialista em ortopedia. Naquele ano a que me estou a referir, quem o salvou de chumbar o ano, por ser expulso pelo Dr. Faria, foi o Cónego Ventura. O Amaral foi ter com ele e pediu-lhe que intercedesse em seu favor junto ao professor. Só que o Dr. Faria disse ao Cónego que só lhe perdoava se ele contasse ao pai e este lhe desse uma tareia.

Em vez de contar ao pai que tinha sido expulso, resolveu simular uma “grande tareia”, como era desejo do Dr. Faria. Pôs pensos e ligaduras, pintou-se com mercúrio-cromo, pôs um braço ao peito e uma pequena bengala para se apoiar. Quando o vimos naquele estado foi um fartote de riso e tivemos que fazer um esforço enorme durante a aula para ninguém se rir. O professor engoliu-a como engolia tudo o que lhe dissessem e durante a aula eram só perguntas e mais perguntas:

- Dói-lhe muito?

- Como é que partiu o braço?

- Ia a Correr?

- Tropeçou?

- Não senhor Dr., foi o meu pai que me bateu, quando lhe contei que tinha sido expulso.

- O quê? O seu pai é desumano. Isso não se faz. Quase que o ia matando. Eu quando disse para lhe bater, era uma estalada. Coitadinho!

Saiu desalmado da aula e foi ter com o pai dele, que tinha uma sapataria ao lado do Banco de Portugal.

À porta da sapataria gritou:

- O Sr. é um bruto e o que fez ao seu filho, não se faz!

Imaginem como ficou o pai do Amaral que não sabia de nada. Depois apanhou de verdade.

Quem salvou novamente o Amaral foi o Cónego Ventura, pois desta vez nem na aula o queria deixar entrar.

Era um gozo nas aulas de inglês, porque agora era o Dr. Faria sempre em cima dele.

- Mentiroso, tão pequenino e tão mentiroso! Venha à lição o aleijadinho! Ainda tem muitas dores, pobrezinho! Precisa de uma aspirina? E por aí em diante.

Finalmente, porqu o espaço não dá para mais conto esta brincadeira passada na aula do Dr. Monteiro, numa aula de latim, quando traduzíamos as fábulas de Fedro.

Há uma passagem na fábula do corvo e da raposa onde esta pretende apanhar o queijo que o corvo tem no bico e tenta bajulá-lo dizendo que ele canta muito bem e gostaria de o ouvir, para o fazer deixar cair o queijo. Salvo erro é mais ou menos isto.

Levantou-se o António Barroso de Andrade que viria a ser meu colega na Caixa Geral de Depósitos e disse:

- Nem todos cantam com o bico, Sr. Doutor.

- Então cantam com quê?

- O Cuco canta cú-cú, cú-cú!

Foi a primeira vez que vi rir ou sorrir aquele homem, mas aquilo não era um sorriso, nem um riso, era um esgar que mais parecia que estava a chorar

E termino com os meus cumprimentos.

 

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