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Leitores: Castelo Branco. Descobriu-se o retrato do Cardeal da Mota

José Martins Barata de Castilho - 27/11/2023 - 11:30

Quanto à autoria do quadro, ficou em aberto, não conseguiu apurar, vamos ver se logramos descobrir, em colaboração. O desafio é tão difícil quanto fascinante.

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Por vezes temos inesperadas surpresas. É o caso da história, que diz respeito ao albicastrense Cardeal da Mota e é narrada seguidamente.

Em 7 de Julho de 2022 decorreu na Pinacoteca, CRL – Cooperativa Cultural (solar dos Cardosos, Rua do Arco do Bispo, Castelo Branco), uma palestra intitulada “Cardeal João da Mota e Silva – Político e Sacerdote Albicastrense dos Séculos XVII e XVIII”, proferida pelos professores e historiadores oriundos da freguesia de Almaceda, Professor Doutor Hermínio Esteves e Dr. André Gonçalves.

Depois dos vários aspectos interessantes que expuseram, referiram a escassez de estudos sobre este importante Primeiro-Ministro de D. João V, que iniciou a política económica que o Marquês de Pombal viria a desenvolver, além de outros aspectos da sua importante acção governativa. Foi ele que lançou a indústria das sedas, com base num estudo seu fundamentado em estatísticas, o que era um avanço para a época. Já o famoso Prof. Borges de Macedo tinha escrito, que a sua “acção não foi ainda estudada”, numa separata do nº 4 da “Revista da Faculdade de Letras” de 1960.

José Lagiosa divulgou o evento em Beira News. Esta notícia surpreendeu um professor de Medicina e Farmacologia espanhol, em Salamanca (actualmente jubilado e residente em Tenerife), Prof. Doutor José Nicolás Boada Juárez, que a viu pesquisando na internet, já tinha publicado em 2012 o livro intitulado “El Cuadro del Cardenal”, onde divulgou uma aprofundada pesquisa sobre o Cardeal da Mota, e pretendia ver o que havia de novo, visando a reedição. Procurou os contactos e mandou um correio electrónico à Pinacoteca, pedindo as moradas dos palestrantes e da organização para lhes oferecer um exemplar do seu livro. A surpresa do lado de cá também foi enorme, este é o único livro a respeito deste Cardeal, sobre o qual tanto se tem lamentando a falta de estudos!

Recebido o livro comecei a ler. O interesse foi tal que o devorei em duas noites! O livro é interessantíssimo.

A sua narrativa começa a partir dum quadro pintado a óleo, que a esposa tinha herdado em Salamanca, com história desde o séc. XIX, que tem um letreiro em castelhano, na base da pintura, do seguinte teor: “El EMº Sor. D. Juan de Mota, Cardenal de la Sta. Yglesia Romana. Floreció en todo género de Virtudes y Letras. Nació en 14 de Agosto de 1685 y morió en 4 de Octubre de 1747”.

Com esta inscrição espanhola, seria de pensar que se tratava dum cardeal dessa nacionalidade, retratado post mortem (pois tem a data do falecimento), pintado por um espanhol.

Que o cardeal não era espanhol mas sim português e nascido em Castelo Branco, apurou o Autor numa primeira fase da pesquisa, com método científico experiente, com muita investigação feita noutra área, dada a sua profissão, da qual já se aposentara. Durante muitos anos teve aquele quadro no seu escritório sem saber quem seria esse cardeal. A conclusão foi clara, este é mesmo o retrato do Cardeal da Mota e o único que se conhece. As datas estão certíssimas.

Quanto à autoria do quadro, ficou em aberto, não conseguiu apurar, vamos ver se logramos descobrir, em colaboração. O desafio é tão difícil quanto fascinante.

Em minha opinião, baseada na intuição de pintor, o quadro foi pintado durante a vida do Cardeal da Mota, pois representa um homem com uns 40 anos de idade e o letreiro foi feito posteriormente em Espanha para identificar o retratado, depois de falecido. Digo isto porque o letreiro lhe corta parte da mão direita, por isso não faz parte da composição. Se tivesse sido previsto o pintor teria arranjado forma de o inserir por baixo da figura completa. Eventualmente, pode ser cópia espanhola doutro retrato que tenha desaparecido ou sido danificado, por exemplo com o terramoto de 1755. Porém isto não passa duma hipótese explicativa, igual a outras possíveis, todas com falta de prova. Se foi pintado em Portugal especula-se como é que foi parar a Salamanca.

O Autor apresenta uma síntese da história de Portugal na época em que viveu o Cardeal, para contextualizar a sua acção como governante em nome de D. João V, começando pelas guerras da restauração e sua causa, passando pela guerra da sucessão e vai até ao tempo do Marquês de Pombal, incluindo a terrível execução dos Távoras e seus objectivos políticos, digamos que tenebrosos. É muito interessante ler a história de Portugal contada com objectividade por um espanhol e muito curioso ler aspectos surpreendentes que ele descobriu na sociedade dum país contíguo, com diferenças inesperadas.

Inserido nessa história está o resultado da sua investigação sobre a vida e obra do Cardeal da Mota, que foi homem simples, de origem humilde, muito inteligente e de grande sabedoria.

A informação que este livro contém é complementar da que expuseram os mencionados palestrantes, porque o Autor não conseguiu obter alguns elementos que eles apresentaram, como é o caso do assento de baptismo de João da Mota e Silva, na Sé de Castelo Branco, sua filiação e outros dados. Alguns desses elementos já lhe foram fornecidos e ele está a completar o texto, com vista à tradução para português e edição pela Cooperativa Pinacoteca, que vai ocorrer em 2024, conforme foi acordado entre as partes.

O presente artigo foi redigido na óptica do leitor comum, pois não sou historiador, em princípio o Prof. Hermínio Esteves e André Gonçalves vão complementar o que escrevi com um texto mais aprofundado no domínio histórico. Para concluir: li o testamento do Cardeal da Mota, que deixou o pouco que tinha ao irmão Pedro, clérigo e Secretário de Estado, seu testamenteiro, enviado pelo Prof. Hermínio Esteves. Impressionou-me a grandeza daquela alma, que se preocupou em demonstrar na hora da morte que tivera somas avultadas de dinheiro, entregues pelo erário real com vista a serem aplicadas e não tinha ficado com nenhum, como se provava pelos papéis que deixava, alguns, com segredos de Estado e que deviam ter o destino que o Rei determinasse. Só deixou o recheio da casa, que deveria ser vendido para custear o enterro, pagar a criados, distribuir pela família e lamentou não ter valores para deixar à família. Não conseguiu assinar, porque tinha a mão direita incapacitada pela doença que o levava.

 

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